Até um passado próximo, pensava que o problema da sociedade era tão somente estrutural. Cria que toda mazela que dividimos enquanto sociedade era tão somente a colheita maldita de camadas e camadas sociais erguidas geração após geração. Na minha cabeça de ontem, essas camadas se empilhavam e se faziam fortes como rocha, transformando os seres em construtos totalmente produtos do meio. Repensando agora, numa constatação, talvez o meu eu do passado não estivesse tão errado assim.
Há, sem dúvidas, uma herança de péssimas estruturas que vêm se firmando sobre destroços e os ossos de quem, ou trabalhou para que ela existisse ou a financiou. E, ainda, hoje, ao observar, vejo com nitidez isso, essa casa-mundo que dividimos é assombrada cotidianamente pelos poltergeists da vida que se foi, da política que se foi, da organização de classes que se foi, dos padrões que se foram. É, tudo isso já devia ter mesmo ido, mas não, seguram firmes aí, e, mesmo desencarnados, fazem-se presentes e, por assim, dizer, vivos.
Nossos fantasmas já são parte da família, não assustam ninguém como deveriam. Acostumamos-nos a dividir a mesa e a cama com eles. Vez ou outra, os estranhamos, mas eles seguem aí conosco, sorrateiros pelos corredores, nos acompanhando ao trabalho e ao supermercado. Agem como se existissem e estão sempre nos soprando absurdos ao pé do ouvido.
Nossos fantasmas são essas estruturas sociais, as quais já estavam aqui quando chegamos e aprendemos a conviver com elas. São elas que nos fazem, em suma, tristes e desmotivados. Passam o dia a nos dizer o quanto somos fracassados por não sermos como aqueles que viveram antes de nós. É difícil não ouvir seus balbucios nos soprando autoritários o que devemos fazer e muito mais difícil não obedecê-los. Afinal, sempre fora assim, quem somos nós para mudar?
Afirmo, somos vetores de grande mudança no universo. Não há que seguirmos repetindo o ontem, se nossas pernas e mentes querem o caminho novo. O caminho onde podemos encontrar a melhor versão de nós. E ela está bem ali, a um passo de quebramos os padrões, os paradigmas, os dogmas.
Construir o novo tem muito a ver com o deixar o que foi lá no lugar dele, o espaço que é referente para que nossos eus que virão possam ter maiores possibilidades de felicidade, sucesso e paz. E, atenção aqui: o passado não é um mau lugar, mas, como diria Belchior, ele é uma roupa que não nos serve mais.
Acreditemos que o que está no porvir é melhor e nos fará mais felizes, ou não há o porquê seguirmos caminhando. E, caminhar exige esforço e foco. Além disso, para sermos versões melhores de nós, o desprendimento de quem fomos é vital. Vamos deixar o futuro nascer, ele anseia chegar e, no seu arrebento para a vida, um universo inteiro ruirá. No seu nascimento, haverá mais luz e menos dores. Estou certa disso.
Vamos deixar o futuro nascer hoje: preparemo-nos para o parto.