Eu sou bicho da terra. Literal e figurativamente. Sou criatura que se delicia em lama e raízes no ofício do plantar e, também, me posiciono como árvore velha, estática, aguardando chuva em abundância e sol a pino. Sou governada por chuva e todo tipo de sorte de intempéries do tempo. Meu humor pouco muda, meu interior, sempre um transtorno.
Quem nasce sob o céu de Capricórnio, como eu, geralmente, é pouco dado aos grandes contos de fadas. Acredita desacreditando em quase tudo. Desconfia do que vê e questiona em silêncio. Parece meio lerdo, mas é só aterrado. Posso afirmar isso pois sou assim e todas as pessoas que conheço que são regidas por Saturno também.
Acontece que ser aterrado me faz ter dificuldade de crer no que não toco. Sinto forte que há algo profundo que une as personalidades das gentes que têm localização astral próxima, mas não consigo ser crente nisso com veemência. Capricornianos acreditarem em signo é um contrassenso. Mas, afinal, o que na vida não faz parte do universo das absurdezas?
Crendo ou não, me reconhecendo muito, sigo seguindo, como a natureza, contrariando as possibilidades mais óbvias. Vou indo, ostentando o chifre caprino arrastando a cauda da baleia. Poderia roubar a beleza do mito e chamar meu fardo de rabo de sereia, porém sabemos que ele é demasiadamente grande para tão mínima figura mítica. Mas a leitura é outra: sou a cabra velha puxando montanha acima um pedaço imenso de um peixão.
Subo montanha alta, venço o impossível, vou me arrastando. A quem não creia, tá tudo bem. Não há outra possibilidade para mim que não subir. Escalando e escorregando, a cada dia me torno mais ágil no processo. A cada passo, sinto a perícia do ofício sendo adonada por mim e comemoro sem festa.
Dizem-me fria, dizem-me ambiciosa, dizem-me iludida até. Dizem muito, eu não me importo. Porém, fico pensando que ao invés de gastarem energia com maledicências, poderiam estender a mão e, assim, colaboravam para que esse rabo-prêmio-castigo fosse colocado no seu lugar: o topo.
Sabe, não dá para sorrir sempre quando se nasce sob o sol da realidade. Ele arde em cada fibra do seu corpo e trás descrença. Não posso e nem consigo fingir que viver é só contemplação se tudo me mostra que é ação. Agir dói, grande parte das vezes.
Carrego meu rabo com dor sem culpa. Enfrento mais tempestade que você, pois o clima é traiçoeiro quando se está perto do cume. Não choro, não lamento, subo. Escorrego, caio, subo. E de novo e outra vez e sempre.
Sei que parece duro viver assim, mas não é. Dura é a vida, existir na minha pele assumindo isso com orgulho é fácil e prazeroso. Sou ser de trabalho, sou sonhadora na prática.