Dia desses, em meio a uma semana pesada, seguida de outra cheia de desafios, que precedeu aquela que foi uma enxurrada de frustrações, estafei. Estafei forte, dormi de olhos abertos, sentada no sofá. Um esgotamento profundo, sintoma de um físico e um emocional em frangalhos. Eu estava destroçada pela realidade, tudo doía e eu seguia em batalha, firme. Mas eu estafei, e foi pesado, não poderia fazer outra coisa que não fosse descansar.
Fui me arrastando pelo quarto pensando que, tendo eu chegado do trabalho, tinha deveres a cumprir. Tenho uma filha de três anos e meio, que vive em meio a um tornado de desenvolvimento e os deveres são infinitos. Deitei na cama, olhos pesados, culpa batendo no peito. Sentia que deveria estar cuidando da minha pequena, logo chegaria a hora de botá-la na cama e é no meu colo que ela dorme desde sempre. Eu precisava me restabelecer, mas não conseguia relaxar.
Não devia, mas estava atenta ao que acontecia fora da porta do quarto: carros passando, cachorro latindo, minha família conversando, Pilar gargalhando gostosamente. Aquela risada que saía dos pulmões novinhos da minha criatura foi enchendo o quarto de paz e graça, de repente aquela paz adentrou em todo meu ser. Aspirei a alegria plena da minha filha, sorri junto com ela. Ali, sozinha no escuro do quarto, deitada, deixei o prazer de viver dela me invadir e, com isso, fui entendendo que não podemos permitir que os duros dias nos guiem e façam de nós tão duros quanto.
A risada da minha filha foi o sonífero que eu precisava, a paz que eu sempre busquei. Dormi profundamente tranquila na felicidade dela. Eu durmo em seus sonhos e vivo para realizá-los.
Descanso no sucesso de estar criando alguém ofertando o melhor de mim, sabendo que meus fracassos com ela serão imensos, entendendo que foi ela que me deu a humanidade necessária para me perdoar desde já.
Lembro do seu nascimento, da primeira vez que olhei nos olhos de mar abissal de Pilar, verdes escuros sobrepostos de todas as cores do mundo. Como se fosse ontem, lembro dela me encarando como se tentasse me despir do meu passado. Ela conseguiu. Desde aquele dia cumpro a promessa de não desistir de nada, muito menos de mim e, principalmente, dela.
Pilar é rocha forte na qual me agarro diariamente, ela é meu fim e meu começo, é por causa dela que estou sempre exausta e por ela que me renovo e ganho o mundo no peito a cada amanhecer. Com seu rosto na retina, respiro fundo, traço planos mirabolantes e vou atrás de concretização.
Vivo ébria do seu cheiro de coisa minha, faço a dormir com o zelo de quem guarda uma deusa nos braços. Ela é minha deusa encarnada, minha religião, é nela que tenho fé, por ela que sigo acreditando nas pessoas, no futuro.
Eu vivo para vê-la sorrir.