Houve um dia em que carros voadores eram sinônimo de futuro, e olha que não faz tanto tempo assim. Das previsões de colônias de férias na lua aos robôs encarregados do trabalho doméstico, teve ainda quem afirmou que a expectativa de vida seria em torno dos 150 anos – sem falar da comunicação com a vida extraterrestre. Bom, nada disso aconteceu. E apesar da tecnologia comprovadamente avançar, há um detalhe que atrasa a curva da evolução: ser um humano está em extinção.
Se os últimos anos já estavam carregando a faixa de pesadelo moderno, parece que os últimos dias decidiram tomar a coroa. Aparentemente, não há espaço para notícias boas. Todas as manchetes – da política ao mundo das celebridades – convergem para a falta do humano, talvez o ponto mais doloroso e vergonhoso de sermos quem somos. Aos olhos de qualquer extraterrestre, a conjuntura é clara: estabelecemos uma guerra com nós mesmos, banalizamos a falta com o outro, e já nem lembramos mais o que significa o coletivo.
Tem sido um desafio diário viver neste mundo às escuras. Manter o trabalho assegurado não é mais a grande preocupação. Agora, lidar com a falta de privacidade, com os posicionamentos heterogêneos, com as disputas pelo mínimo e ainda assim resguardar saúde mental, são só alguns exemplos de obstáculos modernos. Vivemos nas sombras daquilo que um dia já fomos, e por vezes parece difícil responder como podemos continuar crescendo – e até mesmo contornar – um mundo que parece prestes a colapsar.
Um preceito antigo, originado de uma escola filosófica que surgiu em meio à crises e violência, torna-se a única rota de fuga aparentemente válida. A ideia do estoicismo é que a prosperidade existe continuamente, independente do cenário a nossa volta. Construída para tempos difíceis, a escola reforça que lutar contra circunstâncias fora do nosso controle causam ainda mais sofrimento. Não significa dizer que devemos simplesmente aceitar o caos, mas sim reconhecer que viver perturbado por conta de qualquer externalidade não serve para nada.
É sempre uma escolha nossa a forma como responderemos às adversidades. Há quase 2 mil anos, o filósofo Epicteto já dizia que “não são os acontecimentos que perturbam as pessoas, e sim os seus julgamentos a respeito deles”. E se existe algo que permeia a história moderna, não se pode fugir da nossa necessidade em opinar, pressupor e sentenciar diversas causas (muitas das quais nem são nossas).
Quem sabe o desafio mesmo nem seja sobreviver às cegas, e sim reconhecer-se como um estoicista atualmente. Entender que aquilo que acontece não é bom ou ruim, e sim apenas o é como deveria ser, com certeza não é tarefa simples. Porém, avaliar nosso comportamento diante das turbulências torna-se necessário para seguir. Por hora, felizmente não duraremos 150 anos (talvez fosse difícil enfrentar tanto). Então, que a nossa esperança seja estoica mesmo o nosso futuro sendo imprevisível. Por sorte, o mais fundamental ainda controlamos: nós mesmos.