Este não foi um ano fácil. Um tanto quanto clichê dizer isso, afinal, nunca é. Com a chegada de dezembro, aproveitei o espírito saudosista para fazer um balanço sobre os últimos meses e um detalhe despontou sobre todos os outros: eu nunca enfrentei tantas despedidas.
Antes de tudo, nenhum adeus é tão doloroso quanto a infância que fica pra trás. Exatamente quando mais desejamos ser adultos, a maioridade chega e a leveza dos dias de criança vira saudade. Instantaneamente, desejamos voltar no tempo – porque era mais simples, era mais fácil. Em uma espécie de efeito dominó, as despedidas se tornam parte da rotina: a escola chega ao fim, o ciclo de amigos se renova, a vida de solteiro ganha ponto final, o adeus da casa dos pais, e por aí vai...
Em meados dos anos 1800, a romancista britânica Mary Ann Evans – mais conhecida pelo pseudônimo George Eliott, criado para “ser levada a sério” – pontuou que “em cada despedida existe a imagem da morte”. Mais de 200 anos depois, a sensação é exatamente essa. Simbolicamente, foram tantos funerais nesse último ano que a faxina existencial foi uma constante. Para começar, desapeguei da decoração de casa (pra não chamar de tralha) e mantive apenas o essencial. Em paralelo, disse tchau para alguns espaços, já que estava em busca de outros. Diferentemente de um supermercado que pode fechar para balanço, o desafio foi realizar o bota fora sem nenhuma trégua.
Algumas despedidas foram involuntárias. Precisei lidar com notícias de amigos que estavam se mudando para longe (sempre é, independente da distância), e mesmo feliz por eles, o partir sempre é doloroso. Por vezes, nem existiu tempo para um tchauzinho: deixei meu carro na oficina e nunca mais vi ele outra vez. Também precisei lidar com as despedidas pessoais, e talvez essas sejam as mais difíceis, já que cabe a nós reconhecermos cada uma. Sem muita anestesia, cortei fora alguns pedaços que já não fazia muita questão de carregar comigo – e outros ainda pretendo cortar.
Está mais do que claro: os descartes fazem parte da gente. Saber lidar com os excessos é o básico para manter-se em pé, dispostos a enfrentar os próximos acúmulos. Certa vez, percebi que quanto mais a gente tem, menos conseguimos ver que temos – e é exatamente isso. Fica o necessário, fica aquilo que agrega, e principalmente, ficam todos aqueles espaços que precisam existir para comportar os lutos de cada uma das despedidas que ainda viveremos.