Meu pai insistiu para que eu tivesse um olho mágico na porta de casa. Em contrapartida, eu bati o pé ao tentar provar o quanto aquilo era antigo e sem utilidade nos dias de hoje. O resultado da discussão foi que, ao me mudar, a porta aqui de casa ganhou um olho mágico e ponto final – porque a gente sempre tem que escutar os nossos pais, né?
O meu argumento até que era ligeiramente convincente: ninguém mais usa um olho mágico em um mundo que é vigiado pelo celular. Lembro bem da minha bisavó que sempre observava a rua pela janela de casa e que certamente estaria observando o movimento da vizinhança por meio das redes sociais se ainda estivesse viva. Então aquele acessório, mesmo tão pequeno, parecia um pouco cafona e ultrapassado. Isso até eu precisar dele pela primeira vez, é claro.
Foi durante uma gritaria aqui no prédio. Não sei dizer se era briga de família, festa ou discussão de casal. Mas eu fiquei colado na porta, prensando o rosto para enxergar pelo olho mágico porque o ser humano é curioso de nascença. Desde então, o objeto tem feito jus ao seu nome: realmente é um show de mágica observar a vida através da porta.
Nas últimas semanas o acaso me mostrou que, agora ou depois, realmente os nossos pais têm razão – tanto sobre os grandes perrengues da vida, quanto sobre os detalhes que se camuflam na pressa rotineira. Isolado do mundo por 10 longos dias por conta da covid-19, precisei de alguns itens de mercado e farmácia que foram deixados bem ali, no tapetinho da porta de casa. Eu tenho certeza que reconheceria aquela presença até mesmo pelo barulho, mas confesso que foi muito melhor ter um olho mágico e poder enxergar o meu pai através dele.
Permaneci no outro lado da porta em silêncio, assistindo àquela cena como criança que observa o “Papai Noel” colocando os presentes debaixo da árvore e resolve guardar segredo. A sensação foi ímpar: mesmo seguro do lado de dentro, precisamos de um olhar do lado de fora vez que outra. Mesmo que limitado, mesmo sendo deveras fugaz. Mas com certeza o suficiente para ver aquilo que precisamos para nos manter assim... Vigiados e vigilantes.