Eis que junho chegou sem muito aviso, e mesmo a bordo de um avião com poucos paraquedas que se despedaça no ar cada vez mais rápido, ainda há motivos para comemorar. Talvez não seja época de grandes festas com bandeiras coloridas balançando contra o vento, e quem sabe nem haja espaço para as divertidas e animadas danças. Mesmo assim, a história mantém viva uma das maiores festas do mundo. E é óbvio que eu estou falando da Parada do Orgulho LGBTQI+.
Lá em 1969, a Rebelião de Stonewall marcou os Estados Unidos com lutas e protestos contra a homofobia e à falta de tolerância com a diversidade. Desde então, cada avanço conquistado pela comunidade é comemorado com lágrimas de glitter totalmente justificáveis. Em um mundo que precisou de anos para respeitar (mesmo que minimamente) o espaço das mulheres e da população negra, por exemplo, toda e qualquer diferença incomoda porque assusta — bizarro pensar que ainda existe quem pensa ser mais e/ou melhor que o outro.
Enquanto o país insiste em se dividir para defender o que seria menos pior — a corrupção ou um negacionismo que mata em escala —, restam poucos que pensam que a luta não deveria ser pelo menos pior, e sim pelo correto. Felizmente, o que vemos nas ruas é uma população colorida: caras pintadas de verde e amarelo e do outro lado bonés e camisetas vermelhas. Ainda assim, nos faltam cores. Quem sabe o pensamento seja utópico, mas as cores que nos faltam possibilitariam a compreensão de que não há mais tempo para divisões: afinal, é isso que eles querem. E temos obedecido. Lembra que na escola a física nos ensinou que a junção de todas as cores forma o branco? Sim, exatamente a cor que simboliza a paz. Se falta vacina, que gritemos pela vida. Se nosso dinheiro desaparece, que gritemos pela justiça. Se não nos representam — este ou aquele, tanto faz —, que revisemos o sistema. Que repensemos as pessoas. Que não tomemos partido, pois assim não seguiremos sendo partidos.
No primeiro dia do mês que simboliza o Orgulho Gay, a filha de Silvio Santos, Patrícia Abravanel, pediu gentilmente por tolerância ao comentar sobre o tema em um programa de tevê. Mesmo em 2021, o pedido se faz necessário, visto que o Brasil mata um LGBTQI+ por dia, em média. Sim, eu sei, é chocante: as pessoas morrem por serem homossexuais (quando foi que um heterossexual foi assassinado por ser hétero mesmo? Ah, é...). Entretanto, o pedido da apresentadora foi em um sentido diferente: Patrícia pediu que homossexuais tolerassem a homofobia, pois o público conservador leva tempo para entender — e explicar aos seus filhos — o que seria “isso”.
Até acharia engraçado, não fosse trágico. Quer dizer, em um país onde aprendemos a explicar e encontrar motivos para defender meio milhão de mortes causadas em sua maioria pelo descaso ao minimizar um vírus que matou em um ano o mesmo que o HIV matou em 40 anos, pede-se em rede nacional por tolerância ao preconceito. Chega a ser piada. É basicamente o mesmo que pedir para sua filha que está acima do peso tolerar os colegas de escola que a chamam de gorda, ou não dar importância para aqueles que zombam do nariz avantajado que ela não escolheu ao nascer. Coitados, eles estão tentando ao máximo se acostumar! Realmente, é muito mimimi, viu?
Ou seja, perdemos de vez o controle. Sorte que ainda existe informação para quem quiser consumir, e sorte que sobra espaço para os fatos (aceita-los é o único caminho e não machuca, pode acreditar). Prontos? Lá vai: em primeiro lugar, ninguém escolhe nascer gay. Simples assim. Tá okey? Tá okey. Em segundo, desde 2007 os novos casos de HIV no Brasil são em sua maioria registrados em homens heterossexuais, tá okey? Tá okey. Terceiro: como se explica a um filho que um vírus matou meio milhão de pessoas? Ah, eu aposto que a gente encontra uma forma de explicar a morte, Patrícia... Agora, explicar como é que duas pessoas do mesmo sexo ficam juntas, realmente é difícil pra caramba! Eu diria para você tentar falar sobre o amor... Eu sei, é difícil. Infelizmente vivemos tempos em que todos sabem explicar — ou ignorar, o que é ainda mais assustador — a morte; em paralelo, quem é que explica o valor de estar vivo nos dias de hoje? Melhor perguntar para um transexual, já que somos o país que mais os mata. Difícil mesmo é tentar diariamente (sobre)viver morrendo de medo de morrer, né? E ainda há quem diga que não existe motivo para se comemorar o Orgulho Gay. Ah, em tempo: o Brasil é o país que mais consome pornografia transexual no mundo. E repetindo, o país que mais mata transexuais. Contraditório, não? Bem, deixa pra lá. Tal como uma gripezinha, deve ser passageiro.