

Nunca fui uma pessoa de morada fixa. Aquela velha ideia de encontrar um bom lugar para encostar a sua rede e ficar por horas jamais me agradou. Sou uma daquelas pessoas que constantemente procura o novo, mesmo sem saber exatamente onde ele mora. Quando decidi sair do meu último emprego, porém, receei e senti um tipo de medo que não tinha sentido até então. Pensei mais algumas vezes, tentei enxergar um futuro que nem mesmo me era permitido. A gente sempre espera um sinal quando não sabe o que fazer. Até que, em um ato de coragem, mas ao mesmo tempo envolto pelo medo, pedi demissão. Hoje, com a sensação ainda fresca, eu me pergunto: medo de quê?
No dia anterior, eu tinha ido ao cinema para assistir o filme que narra a vida e obra de Elis Regina. Andréia Horta, que brilha no papel da cantora, sustenta a personalidade consagrada de Elis: ela não tinha medo de nada. Ela sabia que podia sempre mais, e por isso nunca estava satisfeita. Ela queria provar para o mundo que, dentro de si, existia uma vontade imensurável que só ela sentia, e ao mesmo tempo só ela poderia externar. Saí de lá com uma certeza: só nós mesmos sabemos do que somos capazes. A nossa tarefa, então, é fazer com que as pessoas que realmente precisam tenham ciência disso.
Todos temos medos maiores do que nós. E é aí que naufragamos na ideia de que devemos amiudar-se perante o desconhecido. Há riscos por aí, há riscos em todo lugar. Certa vez, Elis (de novo ela) disse que sempre viveria como camicase, pois era isso que a mantinha em pé. E foi assim que ela criou, tanto a música quanto os filhos, provando ao mundo que somos capazes na loucura, no caos, na curva que foge à reta.Então tenhamos medo, sim. Sem ele não vivemos, não sentimos, não testamos e reprovamos. Sem o medo a gente nunca acerta, nunca descobre. Repare só: o medo é o sentimento que irritantemente nos motiva a melhorar. Se não tivéssemos medo de morrer, não nos preveniríamos. Se não tivéssemos medo de perder dinheiro, não faríamos contas. Se não tivéssemos medo de ir mal na prova, não estudaríamos o suficiente.
Então chega mais, medo. Pode entrar. Só não pensa que é dono do lugar, porque aqui quem manda sou eu! E se você estiver ocupando muito espaço, não pensarei duas vezes antes de mandar você embora. Porque felizes mesmo são aqueles que se mantém nômades a vida inteira. Felizes mesmo são aqueles que vivem para sempre como Elis.
"Por isso cuidado, meu bem. Há perigo na esquina." Ainda bem.