Feito um herói que se lança de cabeça na aventura de viver, Áries abre o zodíaco com seu fogoso impulso. Coragem e ousadia são atributos necessários a qualquer empreitada rumo ao desconhecido. Por isso o primeiro signo é regido pelo guerreiro Marte, a força instintiva que nos empurra para frente. Avante, avante! Pois, parafraseando o poeta espanhol Antonio Machado, quando não há caminhos, que o caminho se faça ao caminhar.
Isso significa dizer que não é sempre que o guerreiro em nós — e todos temos Áries e Marte em algum lugar de nosso mapa astrológico — encontra-se munido das ferramentas adequadas a cada combate. Acontece sempre de o cavalo perder a ferradura, ou de a lança se partir, ou de a armadura precisar de reparos, e aí o intrépido cavaleiro vai depender do trabalho do ferreiro, vai precisar esperar. Nem tudo é vontade e preparação, há também os fatores externos: marés sobem e descem, ventos mudam, surpresas ocorrem.
Na narrativa dos grandes feitos, que costuma gerar mitos e inspirar novos atrevimentos, não é comum se falar dos bastidores, do tempo de gestação do herói, dos irritantes períodos de inatividade e frustração. Infelizmente, não dá para fazer como na canção do Chico Buarque em que o narrador apaixonado domina o tempo: “Eu descartava os dias em que não te vi / Como de um filme a ação que não valeu”. Na real, temos que também ter a paciência de suportar todas as horas de neblina, chuva e correnteza adversa, antes de travar a ansiada batalha. Ah, quantos dias mais difíceis que a própria guerra, esses em que nada parece deslanchar.
Em tempos arianos, evoco esse recorte temático por dois motivos. O primeiro é que puxei da estante um livrinho comprado anos atrás numa livraria uruguaia com fragmentos, em espanhol, dos diários de Fernando Pessoa. Meu poeta soberano! Um herói meu, posso dizer assim, e um gênio da língua portuguesa, dirá qualquer pessoa sensata. E sabe o que mais me impressionou? Os tantos dias em que o então jovem poeta se atormentou com um gigantesco tédio.
Entre o registro breve de ações ordinárias, como assistir aulas, escrever cartas, andar a esmo e pensar em como conseguir dinheiro, Pessoa sintetiza sua rotina em frases como “dia quente, sufocante; não fiz absolutamente nada”, “não li nada de nada”, “dia desperdiçado; não fiz nada do que supunha fazer”, “dia vazio, do tipo perdido”. Esse julgamento ruim aos dias aparentemente improdutivos resultava do pulsante desejo do poeta de fazer algo grandioso da própria existência. E o que ressaltamos dele, pelo caráter libertário e indômito de sua obra, oculta sua luta secreta contra a pasmaceira do cotidiano.
O outro motivo desse meu recorte é o fato de Marte, o planeta de Áries, o estimulador da ação, ter entrado no signo de Peixes, por onde transitará até o dia 30 de abril. Isso significa que a energia pisciana de entrega ao que é maior e de renúncia aos desejos pessoais pode refrear a assertividade ariana. Ou seja, pode ser que, em muitas situações, não fazer nada seja o melhor a fazer, esperar seja mais eficaz que agir no calor da hora. Assim, o que soar como tédio terá sua razão de ser.
Em Peixes, Marte força nosso herói interior a conhecer melhor o demasiado humano para assim poder realmente tocar outros humanos. Herói que não aceita as próprias fraquezas é um semideus distante e impessoal. E como disse o Pessoa: “Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?”.
Sossega, guerreiro. Em maio Marte entrará em Áries, o fogo se reacenderá.