Depois de espiar o mapa celeste do próximo dia 20 à 0h7min, instante inaugural do outono e do signo de Áries, em busca de pistas do novo ano astrológico que se inicia, e antes de começar esse texto, passei rapidamente por uma rede social, onde uma certa postagem me chocou. Era um desses cards depreciativos e claramente alinhados a posturas reacionárias, em cuja mensagem a pessoa dizia já ter precisado de médicos, de professores e de mecânicos, mas jamais ter precisado de algum artista. Nos comentários da postagem já bastante compartilhada, muitas figurinhas de aplausos. O que fazer diante de tamanha estupidez?
Como argumentos racionais não funcionam nesse contexto de crenças cegas e debilidades cognitivas que afloram nas redes sociais, e como não perco tempo discutindo com quem mal conheço, saí dali correndo, mas me entristeci. Pois essa até comum postagem se somou a notícias preocupantes de avanço da ignorância e de novos ataques à educação e à arte. É óbvio o viés político por detrás dessas ações, ainda mais em ano eleitoral. Combater a educação e a arte, e isso também é óbvio, significa eliminar a reflexão e o senso crítico, favorecendo o comportamento de manada ao sabor da vontade — e do ódio — de quem espertamente almeja o poder.
É difícil aceitar que, numa era de intensos avanços tecnológicos e dos meios de comunicação, de acesso irrestrito ao conhecimento, seja a manutenção da ignorância o grande capital simbólico dos ávidos pelo poder. “Pensar dói”, diria a personagem cômica da atriz Grace Gianoukas, antes de se entorpecer com mais um quartinho de Lexotan. Pois é, vivo citando artistas, sou devedor deles, dos caminhos que eles abrem na investigação da complexidade e da subjetividade humanas.
Não posso viver sem músicas, filmes, livros, imagens plásticas, atuações de toda sorte. Arte é irmã do sonho e também brota da alma. E o que seria de nós sem as pistas simbólicas de acesso a essa dimensão essencialmente humana que é a alma? E como seria a vida real sem os encantados atenuantes da arte? Nietzsche já dizia que a arte existe para que a realidade não nos destrua. É de uma arrogância atroz alguém afirmar que nunca precisou de um artista — aliás, é burrice mesmo, como resultado na prática da opção pela estreiteza mental.
Então uma pessoa nunca escutou um conto de fadas na infância, nunca cantou uma canção, nunca viu um filme, nunca precisou de um poema para melhor entender a si mesma? E a catarse, criatura, essa faculdade de projetarmos nalguma criação estética nossos temores, como forma de purgá-los?
Ó formiga parva que despreza o canto da cigarra, achas mesmo que viver é somente carregar folhas para o escuro buraco no fundo da terra, feito quem caminha para o inexorável túmulo?
De volta ao que seria o tema da crônica, o mapa do céu no ano novo astrológico, há o sóbrio signo de Capricórnio no horizonte do Brasil. E há o regente, o realista Saturno, em conjunção com Vênus, astro da expressão artística, ambos no imaginativo Peixes e no setor da educação e das comunicações. Se não há o que fazer com as formigas ruidosas que escolhem seguir, sem questionar, o caminho que alguém manipula, cabe às cigarras cantarem o mais alto possível.
Este pode e deve ser um ano de resistência da arte e da educação. Urge criar — ou recriar — um mundo com mais alma, mais sonho, mais amor. Ao trabalho, artistas! Pensadores, estejam atentos e fortes! O futuro não pode ser um buraco escuro. E todos temos o divino dom de fazer a luz.