Manhã gelada de inverno. O termômetro marcava quase zero graus.
No mesmo trajeto, a caminho do jornal, as mesmas pessoas debaixo das mesmas marquises. Algumas seguram cartazes pedido um emprego, um trocado, um pedaço de pão. Outras, enroladas em cobertores ou na própria sorte, estendem a mão, em súplica:
— Tem uma moedinha? Cinquenta centavos já me serve.
Um desses caras, que eu ainda não tinha visto pelo trajeto, depois de recolher duas ou três latas de alumínio de um contêiner de lixo seletivo, dirigindo-se a mim, clamou por ajuda. Olhando nos meus olhos, disse que não queria dinheiro. Queria leite e pão pra levar pra casa. Ele disse que veio pra cá há uma semana, com a esposa e um filho recém-nascido. Vieram de Lages, ali no limite de Vacaria.
— Ainda não me chamaram pra entrevista de emprego, mas já deixei currículo onde eu pude. Diz que tem mais oportunidades aqui em Caxias.
— Tá buscando emprego em que área?
— Tio, não tenho profissão, o que vier eu encaro.
Se eu ajudei ou não, com leite e pão, pouco importa. Morram de curiosidade. Não é isso que está em questão. Esse cara, que tem idade pra ser meu filho, é mais um dos centenas e centenas de invisíveis transitando daqui pr’ali. Há quem defenda — sem cerimônia nenhuma — que o prefeito deveria colocar um por um em ônibus com destino aos seus municípios de origem.
Outros, fazem o que podem, desde juntar dinheiro e reunir uma galera voluntária pra fazer sopa e entregar cobertores madrugada afora. Há ainda os que preferem orar impondo as mãos sobre a cabeça desses homens e mulheres, alguns entre a cruz e a espada, marcados pelos mais diversos vícios. Os que têm fé tentam atrair do céu o milagre que justifique a cândida expressão: “Assim na terra como no céu”.
A maioria, dito isso sem nenhuma estatística científica nem comprovação, só de observação mesmo, finge que essas pessoas nem existem. Tem gente que pensa nessa gente que tem as marquises como amparo, como um tipo de assombração ou retratos fantasmas carregando suas dores pra cá e pra lá. O pão nosso de cada dia que sai quentinho dos fornos das padarias parecer nunca ser suficiente pra saciar as fomes. E nem só de pão vive o homem. Por isso, as muitas fomes.
Na última terça-feira, a Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social anunciava 155 vagas de emprego em Caxias do Sul. Melhor salário oferecido é de R$ 10 mil pra vaga de engenheiro civil. Será que esse cara está sendo contratado pra estender pontes a fim de que os abismos entre as muitas Caxias diminuam? Acho que não. É pra construir prédios com marquises mesmo.
Construir pontes pra exterminar abismos é desatino de gente sonhadora. Gente que pergunta por aí:
— Você tem fome de quê?