Eu não pisava em Gramado, em tempo de Festival de Cinema, desde 2010 ou 2011, não lembro bem. Entrei nesse mundo paralelo, entre a ficção e a realidade, entre o pleonasmo e a metáfora, em 2000. Eu tinha 23 anos, transitava entre a faculdade de Jornalismo, a redação do finado jornal Folha do Sul e a locadora San Remo, um oásis da contracultura cinematográfica na selva de pedra da Pérola das Colônias.
Fui batizado em sal de prata, em Gramado, no ano de Ruy Guerra estrear Estorvo, filme baseado no livro do Chico Buarque. Na cara e na coragem entrevistei Ruy. Ele empunhava o charuto como quem conduzia uma orquestra. Enquanto ele discorria sobre a estética e o desinteresse do público pela alma do cinema, eu só pensava alto, imerso naquele encanto juvenil: “Cara, é o Ruy Guerra, diretor de Os Fuzis, filme que está na história como um marco do Cinema Novo”.
Ao mesmo tempo, lembro do choque a que fui acometido quando pisei no tapete vermelho. Na real, é uma passarela feita de lâminas de compensado, revestida por um carpete e que ocupa toda a extensão da Rua Coberta, em uma trilha que dá acesso ao Palácio dos Festivais. Em tese é só um caminho. Mas, aqui em Gramado, recebe holofotes, flashes de câmeras fotográficas, cinegrafistas buscando o melhor enquadramento e, tudo isso, ao som da histeria dos fãs, que, não raro, sequer conhecem ou se confundem com os que atravessam por ali. Mas gritam.
Neste ano, o filme de estreia foi Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho. Um baita filme, que deve estrear também na Serra gaúcha. Um panorama das transformações arquitetônicas no centro de Recife, no século 20, e do desaparecimento das salas de cinema de rua, substituídas por centros de compra, igrejas e por aí vai. Parece ou não com o que tem ocorrido em Caxias do Sul? No sábado, quando exibiu o filme, Kleber transitou pelo tapete vermelho registrando com o seu celular o que ele chamou de “circo midiático”. Inigualável no universo dos festivais brasileiros.
Inesquecível. E afetivo. Porque revi personagens que admirava antes do batismo em sal de prata: Merten, Zanin, Santuário, Ticiano e Lerina. Vinte e tantos anos depois os revi na mesma sala, quase nas mesmas poltronas. Por um descaminho da vida, não topei com o Gus Spolidoro. Mas entrevistei, novamente, o Orival da Silva Marques, mais conhecido como Xixo, o escultor dos Kikitos em madeira de 1973 a 1989. Grande figura.
Inesquecível também porque revi o Caio Blat.
— Mugnol! Sim, lembro que filmamos Uma Certa Noite Vazia, em Caxias.
Inesquecível. Vertiginosamente inesquecível, porque me despedi da Léa Garcia antes mesmo de saber que ela estava de saída dessa vida pra entrar na história.
Até logo, Gramado.
Fade out.