A atriz carioca Léa Garcia morreu. O 51º Festival de Cinema de Gramado será pra sempre lembrado como aquele em que morreu Léa. Sofreu um infarto agudo do miocárdio, foi atendida no hotel onde estava hospedada e encaminhada a um hospital da cidade. Morreu nesta terça-feira (15), no dia em que receberia o Troféu Oscarito, ao lado da atriz Laura Cardoso. A pedido da família de Léa, o prêmio seria entregue nesta terça ainda, ao filho dela, Marcelo Garcia. Laura Cardoso por sua vez, receberá na sexta-feira (18).
— Eu sinto que entregamos a Léa o prêmio. Não era como imaginávamos, mas ela recebeu. Ela esteve aqui conosco desde o início do festival (sábado, dia 12). Ela foi aplaudida, ela foi reverenciada, ela foi reconhecida — disse Marcos Santuario, curador do Festival de Gramado, logo após a anúncio oficial da morte.
Eu vou lembrar pra sempre da Léa através desse olhar intenso e incandescente da foto acima, registrada no último sábado. Eu estava mais à frente, na sala do Palácio dos Festivais. Em ângulos opostos, eu e o fotógrafo, enxergamos o mesmo olhar. Um olhar de quem atravessou a vida abrindo uma clareira às novas gerações de atrizes. Sobretudo às atrizes negras.
Desde o anúncio da morte da Léa, o clima está estranho por aqui. O festival tem uma programação a cumprir, pelo entorno do Palácio dos Festivais as pessoas seguem fotografando de tudo, até copinhos de café que viram instagramáveis com a imagem do Kikito ao fundo, compondo o cenário. Contudo, na terça-feira (15) vi mais pessoas vestindo preto do que nos outros dias de festival.
De críticos de cinema a realizadores audiovisuais, os diálogos eram entrecortados por apontamentos sintéticos e desconcertantes: "Não acredito", "Como assim, no dia da homenagem!?", "Mas ela morreu em paz, dormindo", "Ela era f*", "Parece que tinha de morrer aqui, sendo vista, lembrada e aplaudida".
Pois é, a Léa morreu. Em Gramado, no festival mais longevo do Brasil. Ela nos deixa, aos 90 anos. Ficam os filmes, obras que imortalizam seu talento e presença de cena. E sobretudo o olhar. Olhar de quem encarnou personagens com pesos dramáticos distintos, suportando estigmas por ser mulher e negra.
Tem coisas que a gente não explica. Tomado por um impulso, no último domingo (13), fiquei pertinho da Léa, encarei seu olhar, estendi a mão para tocar a mão dela para cumprimenta-la. Como reverência, beijei sua mão. Curvei-me, agradecido. E saí de cena. Havia me despedido, sem saber.