– Vai aonde assim?
– Assim como?
– De camisa social e blazer...
– Acabei de vir do psiquiatra.
O assunto se encerrou com um solene e perturbador silêncio. De um lado, a expressão de quem chupou picolé de repolho e pimenta, constrangido. De minha parte, a convicção de que a mera citação de ter ido ao psiquiatra, pelo senso comum, torna-me apto pra ficar trancafiado em um soturno sótão, vestindo camisa de força e recebendo sessões de eletrochoque, antes que eu tome coragem de pular da sacada do 12º andar do prédio onde moro.
Não tenho ídolos, não tenho altar com estátuas, não venero santos. Contudo, cultivo um ávido interesse pelo pensamento de uma porção de homens e mulheres, alguns tratados com solenidade, reconhecidos como intelectuais geniais, outros, depreciados e taxados de loucos, dementes e até bizarros.
Um desses, que deixo pra vocês escolherem pelo primeiro ou segundo rótulo, é o norte-americano David Foster Wallace. Curiosamente se suicidou. O cara enfrentou a depressão por duas décadas, mas acabou interrompendo a medicação que o mantinha produtivo, por causa dos efeitos colaterais. A depressão voltou com força e Wallace recorreu ao tratamento chamado de eletroconvulsoterapia, o tal de eletrochoque.
Wallace, autor de Graça infinita, não alcançou a marca dos 50 anos, morreu aos 46. Na teoria, estou a caminho do desempate. Sigo vivo e rumo aos 47, a completar em 29 de setembro. Há quem ignore, mas a depressão está sempre à espreita. Algumas vezes, romantizamos e fantasiamos, tratando-a por melancolia. E há quem perceba um certo charme na melancolia. Outros, até na burguesia. Né, Buñuel?
Confesso que vejo a melancolia como um lugar seguro, de aparente estabilidade, como se pudesse abrir uma segunda camada entre céu e terra, permitindo-me à fruição da arte em todas as suas expressões e linguagens, mesmo que tateando no escuro, crendo que a luz no final do túnel será, enfim, a redenção contra o armagedon e o apocalipse.
Ernest Hemingway foi mais longe no curso da vida do que o Wallace. Autor de Por quem os sinos dobram?, O velho e o mar, Paris é uma festa, dentre outros, ultrapassou a barreira dos 60 anos. Mas, curiosamente, também se suicidou. Reza a lenda que Hemingway vinha sendo confrontado com a aspereza de patologias como hipertensão, diabetes e perda de memória. Ah, sim, e a tão difamada depressão.
Antes de sentenciar a si mesmo com a morte, Hemingway encarou também algumas sessões de eletrochoque. Seu pai, curiosamente, havia escolhido esse mesmo caminho 32 anos antes.
A morte talvez seja ainda o maior tabu que a espécie humana carrega nas costas – desde sempre. Em segundo lugar vem o suicídio e, em terceiro, a depressão. Curiosamente, os três tabus estão intimamente relacionados.