– É frio.
– Por que esse frio, logo agora?
– Como é frio.
– É sempre frio assim?
– Muito frio.
– Quase sempre é esse frio.
– Mas agora é época de frio.
– Credo, não suporto esse frio.
– É psicológico.
– Quanto mais tu falar mais frio fica.
– Deusulivre.
– Quando é que termina esse frio?
– Eu adoro o frio.
– Melhor época do ano pra se vestir.
– Um charme só.
– Vestir o que?
– Não adianta.
– Pode usar duas, três ou quatro blusas...
– Quem?
– Não é quem, é quantas blusas.
– Nem todo mundo tem o que vestir.
– É pra isso que tem campanha do agasalho, querido.
– Virgem Maria.
– Ontem, eu fiz chocolate quente lá em casa.
– Pra quem?
– Pra mim, sozinha e curti o quentinho da xícara aquecendo minhas mãos, debaixo de um cobertor, vendo série.
– Série de contravenções?
– De crimes à sangue frio.
– Com que roupa?
– Onde?
– Sábado.
– Vai esquentar.
– Duvido. É sempre frio.
– Frio é sempre frio e ponto.
– Do que você precisa?
– De roupa. Um casaco velho já me serve.
– Eu vou de calça preta e aquele cropet de linho com strass que a mãe me deu.
– E o frio?
– Que frio, guria. Lá na festa é quente.
– Ui, que quente.
– Assopra a sopa antes de comer, filho.
– Assopra pra mim.
– Filha, e o casaco?
– Mãe, não precisa.
– É triste, sabe, esse frio todo e aquele velho ali, sozinho, tremendo debaixo da marquise.
– Tu já ligou pra FAS?
– Amor, eles não dão conta.
– Amor, vem logo, tá frio!
– Eu disse que já tinha de comprar lenha, mas tu não me escuta, sempre deixa pra depois.
– E a louça?
– Era só o que faltava. Lavar louça com água fria ninguém merece, né!
– Só eu que tô com fome? Vamos pedir o que?
– Liga pro Moreira pra ver se tá aberto, porque hoje o Jaime tá fechado.
– Liga tu, eu acabei de entrar no banho.
– Esquentou?
– Tá frio.
– Tu é frio comigo, sempre.