Ao meu lado, num restaurante qualquer, um casal fitness fotografa uma porção de polenta frita como se estivesse diante da Mona Lisa, no Louvre, em Paris, ou de Guernica, no Museu Reina Sofía, em Madri. Quem vê beleza pictórica transcendental numa porção de polenta frita? Se ainda fosse brustolada, com aquelas fantásticas marcas da chapa, com um queimado aqui e outro ali, sem nenhuma simetria, ok! Mas era só uma porção de polenta frita empilhada com queijo ralado para decorar. Esse é o resultado do investimento em Turismo. E o Instagram agradece.
Noutro dia, outro casal em outro restaurante. Receberam os cardápios e os deixaram de lado. O senhor tentava enquadrar a senhora, à sua frente, enquanto ela sorria, olhando para o lado, como se não percebesse que estava sendo fotografada. Duas ou três tentativas depois, a senhora acenou ao senhor, feliz com o resultado da foto. Logo a seguir, a senhora deslizou o dedo indicador sobre a tela do celular para armar sua câmera. Apontando para o senhor, ela orientava como ele deveria se portar para que pudesse emoldurá-lo na cena que ficará ali no álbum de fotos digital como mais uma dentre as milhares nos zilhões de telefones celulares mundo afora. E sorriram. E o Instagram agradece.
O Instagram não curte a minha vida. Nas redes sociais sou puro tédio, desfaleço de amnésia digital, talvez o quarto ou quinto mal do século e não consta em nenhum compêndio freudiano. O Instagram não curte a minha vida porque sou desses que deixa a sobremesa de lado (e o consequente registro fotográfico) para mergulhar em livros de gente como, por exemplo, Ailton Krenak (vai no Google).
“Como o mundo é todo desigual, acabou ficando gente de fora desse balaio civilizatório, pessoas que não estão engajadas no consumo planetário. Não se tornaram consumidoras no sentido de clientela, eventualmente consomem alguma coisa do mundo industrial, mas não são dependentes disso para continuar existindo”. Esse é o tipo de livro que faz a gente desistir da sobremesa. E o Instagram odeia isso.
“Estamos viciados em modernidade”, afirma Krenak. “A maior parte das invenções é uma tentativa de nós, humanos, nos projetarmos em matéria para além de nossos corpos. Isso nos dá a sensação de poder, de permanência, a ilusão de que vamos continuar existindo”. Confesso, lendo o livro e observando os love instagramers de restaurante, penso que se foi o boi com a corda. “Estamos a tal ponto dopados por essa realidade nefasta de consumo e entretenimento que nos desconectamos do organismo vivo da Terra”, defende-me Krenak.
Se o Instagram já não curtia minha vida, depois dessa vai me cancelar, assim como o Facebook fez dia desses. Sobre deixar de lado a sobremesa, nem sempre é assim. Adoro pudim, desde que com pouca calda. E, naturalmente, dispenso a fotografia. Parafraseando o senhor Sartre (vai no Google), em paródia: “o homem está condenado a ser uma presa fácil”.