É sexta-feira de Carnaval. Aqui em Caxias, pelo menos até o meio-dia segue tudo normal. A gurizada trocando de turnos na escola e, por conta disso, o trânsito engarrafado perto dos colégios, principalmente os de ensino particular. O céu nublado, a neblina que transita daqui pra lá, trazendo chuva fina, como nos bons tempos de outono, expressam bem o abre alas da folia caxiense.
Dito isso, curiosamente a crônica do Daniel Scola desta sexta, na Zero Hora, é a expressão musical fiel e digna dessa paisagem caxiense. Pra quem não leu ainda, o Scola provoca o leitor a escolher: "Nirvana ou Foo Fighters?". Provocação essa, aliás, semanal na Batalha Musical do programa Supersábado, da Rádio Gaúcha.
A tese do Scola, deixando de lado as distintas obras de cada uma das bandas e preferindo Dave Grohl (atual líder do Fighters e ex-batera do Nirvana), foi uma belíssima saída, como aquelas sacadas em contratempo, dignas de um baterista sensível e provocativo. E pra quem ainda não sabe, o Scola é baterista, mesmo que não esteja exercitando diariamente.
Dave Grohl e Scola, numa certa altura de suas vidas, resolveram deixar as baquetas de lado pra encarar novos desafios diante de um microfone. Novas realidades, aliás, nem sempre tão afáveis como parecia ser lá de trás do palco, sentados num banquinho que sofria pra mantê-los firmes na posição, apesar dos braços e pernas, ágeis, descendo a porrada com golpes precisos desferidos contra as peles e pratos do set da bateria.
Os dois fazem história escrevendo e dando voz ao relatos sobre o que veem e sentem e em como essa realidade afeta a vida de uma sociedade. Scola diz que "o Dave Grohl é um líder nato", e que "ao vivo, substitui os grandes showmen dos anos 1980: Bruce Springsteen, Elton John, só pra citar dois ótimos músicos que, naturalmente, esmoreceram um pouco".
O mesmo pode-se dizer do Scola. A sua voz pode não ser a mesma, mas ainda tem a mesma potência dos tempos em que sentava a lenha na bateria. E mais, essa voz ganha ainda mais relevância, além da potência, porque nos revela sua visão de mundo, ampla, abrangente e com espaço respeitoso para o contraditório — não importa se à direita, esquerda ou ao centro. Sua voz carrega sempre a verdade, com a sensibilidade de perceber as nuances e dilemas que a sociedade enfrentou ontem, enfrenta hoje e deve enfrentar nas próximas décadas.
Pode ser uma discussão musical, como a escolha de uma banda em detrimento de outra, e até mesmo assuntos sérios em que sua voz ecoa na multidão com clareza e firmeza: "Censura, mentira, ditadura e luta de classes são a antítese do bom jornalismo". E quando traz à tona o velho problema (e talvez fetiche) dos políticos de todas as querências que inauguram obras sem conclusão, é a voz de todos nós que ele representa.
Meu caro, não sei se está nos teus planos voltar a tocar bateria e montar uma banda. Mas, pra mim, tua voz dentro das quatro linhas retangulares da coluna em ZH e GZH, ou potencializada pelas ondas da Gaúcha, substitui, sim, os grandes nomes que vieram antes de ti nessa jornada Jornalismo adentro. E Jornalismo com o J grande.
E fecho essa fatura, que na verdade é só uma desculpa pra dizer o quanto tu é um cara inspirador esteja onde estiverdes e por onde andares. Falando nisso, tô aqui na redação do Pioneiro ouvindo "Walk". Não aquela do Pantera, que é uma banda que compartilhamos profundo interesse, mas a "Walk" do Dave Grohl, o pai, filho e espírito santo do Foo Fighters.
Mudando sensivelmente um dos versos, finalizo dizendo que, no Jornalismo, fico feliz em poder "aprendendo a andar" contigo. Abraço, Scola.
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p.s.: Viu, Scola, não vou ficar em cima do mundo, entre Nirvana ou Foo Fighters eu fico com o Nirvana. Sorry, man.