O homem que venceu a vida na base da porrada, tombou, nocauteado por complicações causadas por uma pneumonia que o mantinha hospitalizado desde março. Éder Jofre morreu no último domingo (2), aos 86 anos, em São Paulo, enquanto os eleitores iam às urnas pra votar.
O “Galinho de Ouro”, como ficou conhecido, também se meteu na política. Era um ringue bem diferente do que conhecia, um espaço onde os socos e os esquivos eram na base da palavra. Sobre esse desafio, ele assim justificava, em reportagem de Sândor Vasconcelos e publicada no portal da Câmara Municipal de São Paulo. “Resolvi aproveitar essa fama para me candidatar e poder ajudar o povo”.
Ele assumiu o cargo de vereador em São Paulo, pela primeira vez, em 1983. Era tempo de reabertura democrática, de fazer campanha no corpo a corpo. "O político tem que aparecer, então ia a aniversário, casamento. Devo muito ao boxe pela votação que tive”.
Tricampeão mundial do peso-pena, com um cartel oficial de 78 lutas, 72 vitórias (sendo 50 por nocaute), quatro empates e duas derrotas, sem nunca ter sofrido um nocaute, viu sua vida tomar um novo rumo em 2015. Nessa época ele foi diagnosticado com encefalopatia traumática crônica, doença conhecida por “demência pugilística”.
Penso nisso como uma metáfora desses embates que têm se acirrado no Brasil, seja por conta da polarização ou da mera troca de farpas com pouca ou nenhuma construção de projetos para o futuro da nação. A partir desta sexta-feira (7), volta a campanha em rádio e televisão. E mais uma vez, haverá eleitores preocupados em conhecer as propostas e outros, mais despreocupados, ou talvez, fatigados, que vão desligar a televisão e o rádio, esquivando-se de jabs mal intencionados, como fazia o pugilista Jofre.
O eleitor não pode – e nem deve – responder à sua insatisfação com socos pra nocautear as narrativas que suscitam raiva. Alguns aliviam essa pressão com réplicas e tréplicas recheadas de agressões verbais que ficam expostas nas redes sociais, que, na verdade, alimentam ainda mais o desprestígio pelo pensamento político. Jofre conquistou o mundo socando adversários e procurando minimizar o impacto dos socos que recebia. Nunca foi nocauteado, mas a demência embaralhou seu cérebro.
Nessa toada, nessa ciranda de novos arranjos e das improváveis alianças, algumas ditas às claras, outras tantas às escuras, é como se a campanha em segundo turno imitasse o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, que além de escritor, havia sido chefe de gabinete do então ministro da Educação Gustavo Capanema.
"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."
E, pensando em Éder Jofre, o pugilista e político, o que brigava com gana de fazer tombar o oponente, o que sabia que havia hora certa pra bater, questionava: “Qual lutador de boxe profissional sai por aí brigando?”.