Tenho ouvido com bastante frequência esta frase de tom apocalíptico. Geralmente proferida por pessoas de idade avançada. Para logo em seguida, emendarem: No meu tempo sim, era bom! Na verdade, não era. A memória acaba filtrando as vivências, jogando as ruins para o inconsciente e permitindo vir à tona somente as agradáveis. É uma regra de sobrevivência emocional, um estratagema da mente para atenuar sofrimentos ocorridos lá atrás. Então, tenhamos uma certeza: cada época nos entrega coisas positivas e ruins e assim será no futuro. Lamentos e saudosismos só atrasam a capacidade de usufruir o que está diante de nós. Vamos aos exemplos para minimizar essa sensação de ser inútil esperar por algo favorável, pois parece haver indícios eminentes de catástrofes por aí. Você gostaria de ter nascido em um período histórico anterior à invenção da anestesia e dos antibióticos? A ciência deu passos gigantescos em busca de soluções para as dores que afligem o corpo. E antes de contra-argumentar falando da violência com a qual nos deparamos, afirmarei: sempre tivemos no exercício de matar e torturar o esporte favorito – com requintes de crueldade. Saudade da Inquisição? A diferença: tornou-se possível aniquilar utilizando um drone, sem sujar as mãos e quase como se fosse um ato cometido por terceiros. Culpa zero.
No ano mil, segundo o escritor francês George Duby, tinha-se a convicção do término iminente anunciado pela data redonda e emblemática. Muitos cometeram suicídio, antecipando o que iria acontecer inevitavelmente, segundo suas convicções. Rogavam aos céus por clemência e pela absolvição de seus pecados. Entretanto, tudo continuou igual e será pelos séculos e séculos. Temos o péssimo hábito de colocar as lentes sobre o negativo. No passado, hoje ou daqui a duzentos anos. Acho uma prática inteligente ir se ajustando ao pensamento atual, ao invés de ficar resmungando, referindo-se ao horror que nos cerca. Sou um otimista persistente. Olho para a frente e vou recolhendo as benesses oferecidas pelo mundo virtual, selecionando criteriosamente o útil e descartando o nocivo. E tento não aumentar a lista do meu Índex sem submetê-la ao filtro da crítica para distinguir qualidades e defeitos inerentes às invenções humanas. Mantenho a perspectiva de que o amanhã tenderá a ser excelente. E, convenhamos, se viermos a destruir este planeta, o azar será unicamente nosso. Para o universo, irá representar um discreto suspiro sem importância cósmica alguma.
É conveniente deixar de lado essa visão que trava a possibilidade de usufruir dos benefícios postos diante de nós. Nada vai terminar, apenas passar por processos de transformação. Se nos apegarmos a velhos modelos, seremos incapazes de absorver as vantagens do novo, pois nos fixaremos no que já não existe. Eras douradas sobrevivem unicamente na imaginação. E, convenhamos, Deus deve estar ocupado com problemas mais relevantes. A terra é apenas uma nota de rodapé em um livro infinito. Então, vamos ignorar essa visão um tanto infantil e aproveitar o momento, pois só ele nos pertence.
O melhor e o pior caminham juntos. Basta escolher para qual dos dois olhar. Cuidado: o começo e o fim podem ser confundidos.