Na medida em que jogamos luz nas situações desconfortáveis, seja através de processo terapêutico ou da auto-observação sistemática, percebe-se o pouco domínio que se tem sobre a vontade. Ela impera como uma senhora voluntariosa, não admitindo ser contrariada. Por isso é tão trabalhoso livrar-se de qualquer dependência, seja de ordem emocional ou química. Se deixarmos tudo correndo à larga, dificilmente conseguiremos obter alguma vitória em relação às pulsões. É comum ouvirmos das pessoas a seguinte frase: “Se fosse comigo, eu pararia agora com isso que te faz tão mal.” Fácil, né? Nada mais enganoso. Isso exige determinação e persistência, e nem sempre somos capazes de manter essa disciplina, retomando o leme do barco. Muitos continuam à deriva por anos, entregando-se sem resistir, embora em seu interior a sensação de frustração e impotência persista. Há enorme trabalho a ser feito até conseguir minimamente ter o controle de si. E ainda assim, a um descuido, tudo escapa das nossas mãos.
Faço essas reflexões a partir da conversa com um amigo psicólogo. Disse-me ele observar em seu consultório vários pacientes imersos no processo de sujeição entregando-se a atitudes radicais: privam-se do que os perturba de uma só tacada. Uma atitude corajosa, porém raramente respaldada com sucesso na dinâmica do dia a dia. Trocar posturas extremas por outras equivale a permanecer no mesmo lugar, apenas alterando sua roupagem. Na teoria junguiana há um duplo, uma sombra nos acompanhando, parte dos arquétipos mais arraigados da raça. Tudo aquilo que negamos acaba voltando a ocupar espaço na realidade. E de maneira mais forte, impossível de ser dominada. Ou seja: os sábios observam com lupa se algo os incomoda e buscam dosar o seu poder sobre a psique. Vamos aos exemplos: você gosta de jogar pôquer, tem prazer em ingerir bebida à noite, mas sente ser isso prejudicial à sua convivência ou produtividade. É preciso estar atento. Entretanto, extirpá-los sem uma profunda tomada de consciência nunca se revela uma decisão inteligente.
As escolhas lúcidas podem ficar restritas ao desejo interior, sem conhecer a luz do sol. Admitir certa incapacidade em se livrar de tantos incômodos costuma ser o melhor caminho para diminuir a sensação de fracasso. Claro, há quem tenha aptidão resolutiva admirável. Acordam pela manhã e dizem: chega, vou mudar a minha vida. E conseguem ser vitoriosos. Mas, convenhamos, a maioria de nós não chega a tanto. É lutar contra moinhos de vento. Se fosse simples, diminuiria o número de homens e mulheres deprimidos, ansiosos, viciados. No cotidiano, aprender a se relacionar com as falhas (tentando ultrapassá-las) resulta em grande alento.
A natureza humana é inconstante. Melhor se reconciliar com ela, caminhando vigilante, com os olhos bem abertos. Agindo assim, será menos improvável nos desestabilizarmos. A liberdade também se vincula à aceitação dos próprios defeitos.