No mundo ideal, todo ser humano estaria protegido das situações que lhe causem dor ou desconforto psíquico. Penso na imagem de um ser envolto em algodão, em temperatura agradável, num ambiente onde as necessidades físicas e emocionais costumam ser satisfeitas. Infelizmente não é assim. Existir pressupõe passar por instâncias de insegurança, perdas e sofrimento. Poucos são poupados de experimentar algum tipo de crise de qualquer ordem. Mas essas constatações nos levam a outras. Dispomos de vários recursos internos que nos habilitam a ultrapassar instâncias carregadas de incerteza e, tantas vezes, conduzindo-nos à negação do próprio prazer. A resiliência, ou o dom de moldar e transformar o que antes parecia estanque e imutável, nos impele a transformar “a noite escura da alma” em uma clara manhã. Este tema é explorado com arguta inteligência na obra Viver!, do escritor francês Frédéric Lenoir. É um pequeno e precioso manual, abrindo caminho para o que devemos fazer se a esperança cede seu lugar ao imobilismo e à revolta.
Entre os confortos a que podemos recorrer enquanto a névoa permeia a vida está a fé. Se não for a institucionalizada, pode-se praticar o exercício lúcido e persistente de conceber a realidade como algo além da pura organicidade do corpo. Acreditar sermos destinados a algo além do nascimento e da consequente desagregação celular nos impulsiona a ultrapassar instâncias, em sua aparência, destituídas de sentido. Aliás, eis aí uma palavra na qual nos ancoramos com frequência, pois está na nossa constituição interna o impulso por encontrar um chão para nos apoiarmos. Mas muitas vezes somos surpreendidos por circunstâncias adversas, cujo controle situa-se além de nós. Como nos ensinaram os mestres estoicos, a sabedoria está em compreender o que pertence à ordem cósmica, seguindo seu curso à revelia da vontade individual. A liberdade, esse bem almejado por todos, pode ser simples de alcançar. Um bom início para seguir abraçado a ela talvez seja valer-se do mecanismo da aceitação, tendo como suporte o vislumbre de um universo espiritual.
Também estão presente nesta equação os benefícios que a arte nos traz. A leitura de um poema, um filme nos transportando além dos dramas pessoais, a música falando a nós no mais universal dos idiomas. Essas âncoras nos impedem de soçobrar, mantendo a mente clara diante de possíveis rupturas na boa rotina. Somos criaturas inclinadas à ação. Porém, a habilidade de refletir sobre os acontecimentos nos transforma em seres aptos a ultrapassar situações-limite. Temos como exemplo os dois anos de pandemia. Tudo acontece ciclicamente. Precisamos respirar com calma e serenidade, desenvolvendo a resistência. É a isso que somos convocados quando as certezas caem. A casa, no entanto, continua de pé.