Exercitamos com severidade a crítica e nos contemos no elogio. Acredito que se invertermos essa equação estaremos propensos a qualificar os relacionamentos. Tenho tentado me manter fiel a este ensinamento do filósofo Espinosa: “Não zombar, não lamentar, não detestar, mas compreender.” Nunca sabemos os motivos implícitos nas intenções alheias, pois são filtrados pela interioridade. Porém, achamos normal contar com a tolerância dos demais, sem nos comprometermos a agir da mesma maneira. Além disso, alimentamos o desejo de encontrar a reciprocidade das nossas sensações e atos, apostando na maravilha de um mundo em que todos professem ideias e sentimentos semelhantes. Para mudar essa percepção precisamos de disciplina e camadas de tempo, resultando num ampliar de consciência. Na juventude, essa é uma hipótese desconsiderada. Faz parte do processo de formação da personalidade. Ruim é quando, no transcorrer dos anos, sedimentamos com rigidez e inflexibilidade tal postura. Para seguir caminho diverso será necessária uma autoanálise, levando-nos ao confronto com lados obscuros, geralmente camuflados.
Testemunho na prática os efeitos benéficos de uma postura acolhedora. Evito interromper as falas, sobrepondo a elas com precipitação os meus argumentos. Aproveito para ouvir com atenção, abstendo-me de emitir em excesso algum tipo de opinião. E buscando entender o que levou alguém a portar-se de determinado modo. É difícil, pois nos inclinamos a colorir a realidade a partir da nossa paleta de cores. Isso me leva a uma questão complementar: o bem-estar gerado por posturas menos impositivas. Observo muito o que se repete na natureza humana. Pouco originais, nutrimos a tendência de multiplicar a voz do coletivo. Refletir por conta própria exige coragem e certa audácia. Reforçar a vontade, construída com esmero na maturidade, parece ser o itinerário correto para uma vida feliz e saudável no campo emocional. Importante também é deixar de receber com desdém palavras e ações que consideramos erradas. Podem ser para nós, não necessariamente para qualquer outra criatura. O eu é redutor e se fecha sobre si ao nos recusarmos a expandir o microuniverso individual onde se ancora a subjetividade.
Cabe aqui uma nota. A existência é calcada numa sucessão de episódios que fogem do controle. Cerne, aliás, da escola estoica. Tudo se dá em ciclos, com indiferença aos desejos pessoais. Há um sistema biológico parecido com uma loteria (por vezes às avessas) cobrindo-nos com saúde ou doenças, sem relação com punições ou prêmios divinos. Somos seres perecíveis, como todos os sistemas presentes no planeta. Aproveitemos, portanto, o tempo das benesses e da plenitude. A alegria é uma construção. Como o é a potência que reafirma o milagre de ser e poder se transformar.