Ando interessado em direcionar meu olhar para as coisas normalmente chamadas de insignificantes. À maneira do poeta Manoel de Barros, quero viver os dias esbarrando no que foge à ordem do utilitário, impulsionando o avanço do mundo. Recebemos bênçãos a toda hora, mas, incapazes de desviar a atenção para o singular e o miúdo, prosseguimos em busca de grandes acontecimentos exteriores. Tento ser fiel a uma percepção interior capaz de absorver o efêmero, capturado através da sensibilidade. É um trabalho de vigilância e disciplina, mas plenamente recompensado, pois resgato uma dimensão poética para a existência. Com a fruição do tempo, sinto-me cada vez menos obrigado a buscar um conceito de serventia. Colho o fugaz, escondido nas dobras do cotidiano. Transformo em grande evento o voo de um pássaro, uma petúnia desabrochando sob o sol, a leitura de um livro de filosofia incitando-me a ser paulatinamente melhor. E busco interferir o mínimo possível na forma em que tudo está posto. Somos invasores de espaços alheios. Tentamos domesticar algo quando não se coaduna com nosso jeito de ver a realidade. Até descobrir ser apenas um ponto de vista, uma referência filtrada pelos limites do eu.
Temos à disposição um arsenal lírico para extrair beleza a cada passo. Ilustro isso com alguns exemplos. Sedento depois de caminhar cinco quilômetros, buscava aplacar a sede. Deparei-me com um paredão de pedras vertendo filetes de água sobre um musgo aveludado. Dispus as mãos em concha e bebi com gratidão. Considerei isso uma dádiva e continuei encharcado de felicidade. Adiante, ao me aproximar da casa de um vizinho, fui surpreendido com o afeto desmesurado de seus três cães, latindo, mordiscando minhas mãos, externando seu contentamento em me ver. Pensei: a alegria de alguns encontros é mesmo potente, transfigura uma manhã qualquer em uma festa para os sentidos. Se isso fosse insuficiente, em meu retorno à casa, vejo o pé de jasmim dos poetas oferecendo seu primeiro cacho de flores. Aspirar o perfume foi uma epifania, resgatando a essencialidade da minha relação com a natureza.
E assim vou seguindo, contente por receber tantos presentes. São viagens transportando-me para dentro de mim. A única passagem exigida é manter a alma saudável, sabendo escolher um roteiro adequado. Não desprezo o universo prático, pois sem ele jamais teríamos alcançado tanto progresso e conhecimento. Mas sei haver mais a ser buscado. Dedico um largo tempo aos amigos, à arte, à observação silenciosa do que nasce ao redor. Ainda ontem eu me regozijava na infância. Súbito, sou esse homem percebendo o limite do tempo e a necessidade de descartar o supérfluo. Pratico a gentileza, aprendo a escutar, agradeço e peço desculpas. Pequenos exercícios também conhecidos pelo nome de amor.