A admirável obra de Freud se estende bem além da psicanálise. Ele foi um grande pensador em várias áreas, dissecando a alma humana como poucos. Relendo trechos de uma de suas entrevistas, encontro essa passagem lapidar. Perguntado sobre o segredo de uma vida feliz, respondeu: “Amor e trabalho”. Eis a fórmula perfeita. Qualquer palavra acrescida representará um enxerto, nos desviando do propósito maior da nossa trajetória. Quando um deles falta, vamos forjando simulacros para preencher vazios que podem nos conduzir a estados de apatia ou depressão. Vivêssemos numa sociedade oriental, talvez fosse possível trocar a produção por atos contemplativos. Mas, ai de nós, fomos acostumados desde cedo a medir nossa excelência pelas atividades que, em muitos casos, enganosamente nos definem. Falo aqui dessas profissões burocráticas, bem distantes dos anunciados pelo psicanalista.
Quando a criatividade é um elemento presente, aí as coisas se reconfiguram. Infelizmente, são escassas as pessoas destinadas a realizar tarefas que fogem da mera repetição. Se a sensibilidade, o lúdico e o inédito participam da equação, começa a jornada referida na célebre frase. São aspectos transcendendo o exercício da mera continuação da espécie, incluindo a alegria como um elemento chave para bordar os dias. O capitalismo inculca em nós a ideia de valor atrelado ao fazer. A noção de utilidade se impõe como um dado inquestionável. Precisamos romper com esse conceito fundado apenas em projetos da cumulação. Que o destino (a determinação e a tenacidade) nos levem a escolhas baseadas essencialmente na satisfação, tornando menos relevantes os resultados financeiros.
No que tange ao amor, é provável Freud tê-lo mencionado num aspecto bem mais amplo do costumeiro. Quando experienciado entre dois seres pode ser calcado no egoísmo e em nada ajuda a refinar os comportamentos. Porém, se ampliamos a sua significação, começaremos a sentir um estado de graça a partir da entrega desinteressada, podendo até dispensar o desejo de reciprocidade. É, em última instância, a capacidade de expandir o eu, alcançando um estado de empatia tão necessário para não sermos predadores no campo das emoções.
Olhar para dentro de si e ver o quanto isso está presente. Permanecer fiel ao princípio do prazer, um dos grandes balizadores do itinerário de sucesso. Aqui entendido como sendo similar à plenitude. Para tantos, o essencial se restringe à sobrevivência, numa busca coletiva e inconsciente, sem provocar nenhuma indagação. Mas há algo mais. Quem destina suas melhores horas para a expressão do afeto e a criação além da mecânica meramente lucrativa, conhecerá instâncias de rara beleza. E não será para isso que somos destinados? Permitam os deuses que façamos esta descoberta enquanto há tempo para redesenhar o sentido da existência.