Alguns valores não se tornam obsoletos com o passar do tempo. São pilares civilizatórios. Questões ligadas à ética e à moral foram limadas por uma sucessão de erros e acertos e atravessaram os séculos. Noções como justiça, igualdade e compaixão, passaram por um lento processo de construção no imaginário de cada um. Historicamente, começamos a dominar a terra valendo-nos mais dos instintos do que da razão. Nos primórdios havia a premente necessidade de sobrevivência em um mundo completamente hostil. A criação de leis, possibilitando a manutenção da ordem como a conhecemos hoje, permite-nos uma convivência relativamente pacífica. Por outro lado, a religião instituiu mandamentos e interditos aos quais nos submetemos em maior ou menor grau. Em várias épocas, guerras romperam o frágil equilíbrio onde se ancora a nossa humanidade. Competitivos e vorazes na ocupação do espaço, nem sempre respeitamos os limites estabelecidos. Porém, em diferentes escalas, precisamos dessas referências para manter a ordem e a convivência pacífica. Muitas vezes, a tradição é invocada para justificar atos de barbárie (touradas, farra do boi, etc.), mas serve também para refrear impulsos inclinados ao mal. Neste caso, o medo pode nos salvar.
Observo, com certa preocupação, uma tendência de relativizar o que até então era considerado inquestionável. Isto pode ter seu lado positivo, mas abre uma brecha perigosa. Se nada mais recebe a chancela do sagrado, por exemplo, tudo passa a ser válido numa terra em que impera unicamente a vontade própria, distanciada do coletivo. A imersão vertiginosa nas plataformas digitais está acelerando essa tendência. Em seu mais recente livro, Sonho Manifesto, o neurocientista Sidarta Ribeiro enfatiza a urgência de meditar sobre o caminho escolhido por nós. Segundo ele, precisamos ter uma visão apocalíptica, mas esperançosa. Reconhecermo-nos como predadores. Entretanto, a ampliação da consciência, através de uma teia de boas ações, pode evitar a destruição do planeta. Todo seu discurso é atravessado pela necessidade de voltarmos a uma ancestralidade que parecemos estar descartando. As narrativas individuais propõem-se solucionar todas as indagações. O novo oráculo vem na forma de pixels.
A evolução se dá quando sobrepomos outras ideias a um universo sedimentado e que, em seus aspectos positivos e negativos, nos conduziu até aqui. Negar isso é apagar o passado, pois faz parte do nosso DNA como espécie. Centenas de informações nos chegam todos os dias. Somos seres repletos de dados e de ansiedade. Parar, eis um passo necessário para dar continuidade à vida como a conhecemos. Talvez disso dependa a perpetuação da nossa raça. Precisamos beber em fontes antigas, sem recusar o contemporâneo. Encharcar-se do conhecimento legado, absorvendo com interesse o que está nascendo.