É a pergunta que fazemos quando algo de muito ruim acontece conosco. A morte de seres amados, doenças, perdas de toda ordem. Talvez o mais correto seja reformular a frase: Por que não comigo? A natureza premia ou castiga aleatoriamente, longe de seguir códigos morais. Presenciei inúmeras vezes, no desespero do momento, desabafos do tipo: “Ele foi tão bom, qual a razão de estar passando por isso?” Mas o oposto pode revelar-se verdadeiro: vemos pessoas inescrupulosas envelhecendo bem, com dinheiro e saúde perfeita. Para culminar, têm um enfarte e partem dessa existência num átimo de segundo. Então, se quisermos entender minimamente a ordem do mundo, é bom desistir desde já de buscar uma explicação lógica. E, sinceramente, acho até confortante: tira um peso enorme dos nossos ombros. Há os que acreditam serem as enfermidades graves geradas exclusivamente por desequilíbrios internos ou opções equivocadas. Reconheço o peso do emocional, devidamente sedimentado por estudos relacionados ao cérebro e à psique. Levemos em conta, por outro lado, a evidência de algumas más escolhas no cuidado com o corpo reverberarem negativamente. Melhor dividir a responsabilidade, atravessando os dias ancorados em análises lúcidas sobre as nossas decisões.
Consideremos o valor de se permanecer atento ao impacto de qualquer decisão. Porém, também estamos submetidos a um determinismo biológico que não pode ser mudado unicamente pela vontade. Embora, há de se convir, conhecemos bem pouco o funcionamento da mente. Prefiro manter um olhar de neutralidade, fugindo de credos envoltos em verdades absolutas. À luz do tempo, vemos cada época negando e afirmando códigos comportamentais adequados a sua realidade. Evitemos nos tornar totalmente reféns deles, fazendo constantemente avaliações críticas. O fato é: se conseguirmos nos focar com mais isenção, provavelmente ocorrerá uma diminuição das aflições. Os que têm o consolo da religião apegam-se à transcendência para justificar algo difícil de suportar: a consciência da finitude. São muletas utilizadas diante da constatação de nossa orfandade cósmica. Entre os conceitos e a experiência vai uma distância enorme. Ao passar por situações dramáticas (e alguém já foi poupado?), sabemos quão desolador é constatar o sofrimento e ser incapaz de mitigá-lo. A maturidade tende a relativizar o que parecia estanque. Trocamos os pontos finais pelas reticências, abrindo espaço para as mais variadas concepções.
Eu tento posicionar-me da forma menos radical possível nessa questão. Fujo de embates, neutralizando a certeza de haver um sentido oculto pairando sobre nós. Tantas vezes ouvi pessoas dizerem: se tudo acaba aqui, terá valido a pena existir? Minha resposta continua sendo sim, definitivamente. Lembrando sempre: o homem deseja se situar no centro da criação, mas é simplesmente testemunha ruidosa em busca de significados.