Lembro de ter reagido com louvável sensibilidade a uma situação que talvez se encaminhasse para um desfecho menos feliz. Faz alguns anos, mas continua reverberando em mim. Diante de decisões difíceis, recorro a soluções próximas a esta. Trabalhava na época com um rapaz longe de corresponder ao ideal. O óbvio era repetido várias vezes e o resultado deixava a desejar, mesmo assim. E como nem sempre encontramos dentro de nós uma reserva de paciência, esquecia de respirar fundo e colocar em prática a tolerância necessária para uma convivência harmoniosa. Pois as semanas iam se arrastando e nada do guri apresentar uma evolução profissional. Por ele transbordar simpatia, fui postergando a decisão de substituí-lo. De repente, tive um desses insights luminosos. Resolvi sentar e fazer o que raramente estamos dispostos: conversar, buscando um entendimento. Queria esclarecer as reais motivações de seu comportamento tão falho. Agi da maneira certa. Estimulado pela disponibilidade da minha escuta, disse-me ter sido acometido por uma série de doenças emocionais e mesmo por fobias graves, impossibilitando-o de interagir socialmente. Depois de muita terapia e intervenção medicamentosa, passou a sentir menos medo e conseguiu estabelecer relações mais saudáveis, afastando o temor da rejeição.
A partir daquele dia, ele se reinventou. Passamos a manter um bom diálogo, ele plenamente disposto a potencializar seus conhecimentos e eu bem mais tolerante em relação aos seus agora escassos erros. Lembrando disso, dei-me conta: nossa primeira reação é a de nos afastarmos de quem causa problemas. Fechamos os olhos, sem querer saber se há algo por trás de atitudes que nos parecem dissonantes da nossa forma de ver e lidar com a realidade. No entanto, basta apenas dispor de algum tempo - fato raro hoje, diga-se - e acolher quem está fragilizado, pois só assim será possível interromper o sofrimento. Muitos não conseguem sequer expressá-lo. No ímpeto de sermos os melhores, arrastamos conosco pessoas com ritmo diferente do nosso. Ignoramos poderem estar mergulhados em situações que têm dificuldade de lidar. Em outras palavras, desarmemo-nos um pouco: o mundo não precisa seguir a nossa cartilha. Tudo é absolutamente individual e tabulado com um olhar calcado na subjetividade. Comumente, vemos apenas a ponta do iceberg. O caldeirão onde estão escondidas as verdades mais profundas só consegue ser visualizado se interagirmos com o outro no propósito de descobrir o que se passa dentro dele.
Ainda hoje sou amigo desse jovem. Ele poderia ter passado meteoricamente pela minha vida. Já curado e inserido com mérito em sua área de atuação, revelou-se agradecido e capaz de verbalizar seus sentimentos, afastando o fantasma da rejeição. Chama-se a isso empatia de almas.