Em repercussão das ações anunciadas pela prefeitura na segunda-feira (26/2) para a população de rua, decorrente de um homicídio na noite de sábado (24/2) no bairro Rio Branco, o Comitê Pop Rua, constituído por representantes de órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, assinou nota nesta terça (27/2) em que faz reparos aos encaminhamentos adotados pelo governo. O homicídio é atribuído por órgãos de segurança a uma pessoa “que vive em situação de rua” e a situação motivou a postagem de um vídeo pelo prefeito Adiló Didomenico no domingo (25/2), em que ele atribui o crime “a um elemento que, travestido de miserável, veio a Caxias com uma longa ficha de débito perante a Justiça”.
De pronto, a nota do comitê faz dois reparos centrais e essenciais: o órgão entende que o autor do crime “não é uma pessoa em situação de rua” e que ele é natural de Caxias, “residente e domiciliado em Caxias”, e assim não “veio a Caxias”, como disse o prefeito. A classificação como “pessoa que vive em situação de rua” é dos órgãos de segurança, e levou o prefeito a convocar para segunda-feira um gabinete de crise para tratar do tema das pessoas em situação de rua. Foi para “separar o joio do trigo”, frisou Adiló, como ele classifica a necessidade de diferenciar pessoas em situação de rua daquelas “em débito com a Justiça”.
A vinculação do homicídio com as ações direcionadas às pessoas em situação de rua é inegável e ficou explícita, ainda que com a intenção de “separar o joio do trigo”, e causou a exposição dessa população perante a cidade. A nota do Comitê Pop Rua, então, puxa didaticamente, sem meias palavras, as orelhas da prefeitura. Inclusive, pede “responsabilidade”: “Este tema deve ser trabalhado com a devida responsabilidade e complexidade, evitando generalizações e culpabilizações errôneas (...). Relacionar a população em situação de rua ao aumento da criminalidade requer dados que deem sustentação a esse argumento”, diz o texto. Diz mais: “A veiculação exclusiva da criminalidade associada às pessoas em situação de rua gera desinformação e estimula preconceitos, o que não contribui com o processo de saída das ruas.” Essa consequência mencionada pelo comitê é real e inequívoca.
No calor dos fatos
O recadastramento anunciado pela prefeitura para a população de rua é importante, para fins de controle, para saber quem está nas ruas, bem como as abordagens e encaminhamentos começados na segunda-feira. A "desobstrução imediata da entrada de bancos, do passeio público e de locais que fornecem alimentos” aventada pelo prefeito em entrevista coletiva na segunda-feira para calçadas e outros espaços públicos, dito da maneira como foi dito, é perigosa, pois, como afirma a nota do Comitê Pop Rua, "podem desencadear posturas hostis".
Ficou a nítida sensação, nesse episódio, que os encaminhamentos, ações e manifestações foram feitas ainda "no calor dos fatos", o que não é bom conselheiro.
O que é o comitê, que assina a nota
O Comitê Pop Rua, que assina "nota de esclarecimento sobre notícias que relacionam a população de rua a crimes" é um órgão ampliado e paritário, com 22 integrantes, metade dos representantes do governo municipal e a outra metade, da sociedade civil. O nome por extenso é Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua. O órgão é coordenado pelo Centro Pop Rua, que é o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, órgão técnico e de linha de frente no trato com essa população, vinculado à Fundação de Assistência Social (FAS).
A prefeitura foi procurada na terça-feira pela reportagem para se posicionar sobre a nota, mas optou por não se manifestar.