Na semana do Carnaval, é preciso reconhecer: o Brasil também é um país triste. Triste e patético. É necessário esse reconhecimento de que há motivos para tristeza entre nós. Uma vez feito esse diagnóstico, que deve nos motivar ao envolvimento na construção de um país em bases civilizadas, a alegria é um direito e uma possibilidade justa. Porque a alegria é um efeito direto da celebração da vida, e a vida deve ser celebrada, ao mesmo tempo que defendida com unhas e dentes. Quando a dignidade da vida é arranhada e agredida, aí estão os motivos para nossa tristeza.
Não se está no Século 19, tempo em que vicejava o trabalho escravo. Mas as chamadas condições análogas à escravidão foram denunciadas e flagradas tendo como vítimas pelo menos duas centenas de trabalhadores temporários recrutados da Bahia – a maioria para trabalhar na safra da uva – que foram resgatados. Alguma certeza de impunidade leva um contratante a se despreocupar em oferecer condições indignas, precárias e insalubres aos trabalhadores que contratou. Essa compreensão torta se estabelece a partir de um contexto, de uma realidade que passa a tolerar, permitir e admitir práticas dessa natureza, lembrando que estamos em 2023. Menos mal que a sociedade organizou-se até um determinado estágio de civilidade a ponto de constituir instituições – essas tão criticadas instituições públicas – que ainda surgem para defender pessoas e trabalhadores em qualquer situação. No caso específico, para espantar sinais de escravidão.
Na mesma semana de Carnaval, aproveitando-se da condição dramática do maior temporal de todos os tempos que se abateu sobre o país e matou mais de 40 pessoas no litoral norte de São Paulo, pessoas sem qualquer escrúpulo vendiam 12 garrafas de 500 ml de água, ou 6 litros, a R$ 93. Além da catástrofe ambiental e das vidas perdidas, essa atitude abusiva e desumana é outro motivo de tristeza neste país do Carnaval.
Como se alertou, não são poucos os motivos de tristeza. Esse é o mesmo país da câmera de gás improvisada em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal de Sergipe que matou o brasileiro Genivaldo ou do congolês Moïse, morto espancado no Rio de Janeiro. É o mesmo país da depredação da sede dos Três Poderes e outra lista de barbaridades e violências, inclusive policiais. Sim, é um país em muitos momentos desolador, desanimador, que dá motivos para a tristeza.
A alegria do Carnaval e outras alegrias são de celebração à vida. Tudo certo. Que essas alegrias nos motivem a construir um ambiente geral capaz de sufocar nossos piores momentos, como esses que vieram à tona nessa semana de Carnaval. E que a alegria, enfim, seja para todos.