Os dois seguranças do supermercado em Porto Alegre fizeram o que fizeram com João Alberto Silveira Freitas, o Beto, porque se sentiram à vontade. Perceberam que o ambiente permite, esse ambiente que popularizou a arminha com os dedos, que respalda a violência, em especial contra negros e homossexuais, e que minimiza os direitos humanos. Em um país onde direitos humanos é palavrão, essas coisas acontecem. Assim, mataram João Alberto de forma criminosa, bárbara, cruel e estúpida. As imagens são estarrecedoras, a versão George Floyd na República de São Pedro. Das poucas diferenças é que, desta vez, o joelho não foi na região da cabeça e do pescoço, mas nas costas. Uma diferença anatômica. Outra diferença é que, nos Estados Unidos, foi em uma rua pouco movimentada, em horário mais discreto. Aqui foi em horário de pico em um hipermercado movimentado. Não sirvam nossas façanhas...
Os dois seguranças sentiram-se à vontade diante do ambiente e também do histórico de séculos de preconceito contra os negros, que se fez presente neste episódio. É claro que a evolução dos acontecimentos só prosperou porque o alvo era negro. Não fosse negro, provavelmente o episódio nem tivesse começado. Nosso ambiente estimula o que aconteceu, e ele se fortalece cada vez que fazemos concessões a práticas preconceituosas ou de incentivo a uma cultura de violência. A tarefa intransferível é desmontar peça por peça esse ambiente que se estabelece no dia a dia, quando não se reage a barbaridades, discriminações e preconceitos. Exige não fazer nenhuma concessão, no dia a dia, por menor que seja, ao que não pode ser tolerado. E praticar e fortalecer os valores da cultura de paz.
Em homenagem a João Alberto.