Passada a eleição, em meio a manifestações que defendem intervenção militar porque o resultado das urnas desagradou aos manifestantes, o ambiente segue insustentável. A prefeitura de São Marcos confirmou o cancelamento da palestra com o poeta, escritor e empreendedor Bráulio Lessa, que aconteceria dia 8 de novembro, gratuita e aberta à comunidade. O evento estava sendo planejado desde 2019. A justificativa, no comunicado da prefeitura, é o tratamento ideológico dado ao evento. O texto diz que “o cancelamento se deu para mantermos a integridade física do artista e do público participante e para manter a ordem pública”.
É inadmissível a incapacidade de convivência com o pensamento diferente neste ano eleitoral, que obriga a prefeitura a tal atitude. Só expõe vexatoriamente a região, que, aos olhos do país, fica com a pecha, justificada pelos fatos, de que não sabe conviver com quem pensa diferente nem entender que visões diferentes contribuem para difundir cultura, compartilhar conhecimento, ampliar horizontes. E que há o contraditório. Ninguém é obrigado a concordar com ninguém. Já foi assim com o cancelamento de palestra do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, em Bento Gonçalves, depois com tentativas de constrangimento à participação dos ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia em agendas em Gramado. Os eventos sofreram pressão, mas os ministros confirmaram participação online. Todos esses episódios foram protagonizados na Serra Gaúcha.
Em Porto Alegre, a Polícia Civil registrou três ocorrências de agressão e intimidação a jornalistas das equipes da Band, RDC e SBT durante protesto realizado por bolsonaristas contra o resultado das urnas, na quarta-feira.
Em cidades da região, como Nova Prata, Flores da Cunha e Caxias do Sul, circulam mensagens com listas de estabelecimentos e profissionais, supostamente associados a uma escolha eleitoral que desagradou quem elaborou as listagens, com sugestão para que sejam boicotados.
É preciso defender e proteger uma cultura secular, de conviver civilizadamente com quem pensa diferente. Pensar diferente é possível, e permitido. Inacreditável que seja preciso relembrar essa evidência incorporada há séculos à vida civilizada. Que fase!