Esta eleição que chega a seu ato final neste domingo, pelos seus níveis excessivos e impraticáveis de agressividade e enfrentamento, carrega uma síntese, evidencia uma característica de nosso tempo, que se impregnou no debate e nas conversações eleitorais: a inaptidão completa para aceitar pensamentos diferentes. A partir de determinado momento, impreciso no tempo, mas que seria útil identificar para um bom diagnóstico, perdeu-se a capacidade de aceitar pensamentos diferentes, perdeu-se o entendimento de que pensamentos diferentes fazem parte da naturalidade da existência e da cultura, pela diversidade de pontos de vista, literalmente falando, de ângulos de observação, pela diversidade das experiências, dos momentos e dos contextos em que elas são vividas. Tudo isso gera pensamentos diferentes, visões diferentes, e assim é na vida.
A eleição foi carimbada como “do bem e do mal”, porém o “mal” não está do outro lado. São pessoas, muitas vezes próximas ou queridas, que estão do outro lado que não o nosso, e quem somos nós para julgar? O que está do outro lado é uma visão diferente, um pensamento diferente, que podem, a visão e o pensamento, estar estruturados em cima de uma base equivocada, assim como também é possível no nosso caso, mas que autoridade temos para falar “do bem e do mal”?
Será importante decifrarmos esses nossos dias, como e por que chegamos até eles, como perdemos a capacidade de aceitar pensamentos diferentes. Na média, a tolerância é quase nula com o pensamento diferente, e esse cenário precisa ser alterado profundamente. Nosso ambiente está confuso, turbulento, o que é pior, dividido, mas é preciso começar. Em casa, na escola, na igreja, na comunidade, no trabalho. Uma pista está nas reações ao pensamento diferente, na forma como elas se dão, saber como lidar com ele e com nosso interlocutor, se com ele não concordamos. Não concordar deve ser um ato bem administrado. Muito bem administrado, aliás. Suspeito que esse é um fator importante para a belicosidade reinante. Em geral, faltam serenidade, respeito e a reverência à pluralidade para expressar discordância. A pluralidade, o entendimento de que é natural e tranquilo o outro ter direito a um entendimento diferente, deve ser sagrada. A serenidade e o espírito democrático, isto é, o entendimento de que o outro tem direito de pensar diferente, são ferramentas poderosas para essa tarefa inadiável do nosso tempo: aceitar pensamentos diferentes e conviver com eles em ambiente de tranquilidade e respeito. Todo esse ambiente está por ser reconstruído, praticamente do zero, se quisermos o básico: conviver com os outros com tranquilidade e o mínimo de aceitação. Como já foi em outros tempos, mas não é mais.