Caxias do Sul dispõe agora de uma lei que permite tomar para o município imóveis abandonados. Em geral, eles tornam-se problema de segurança e de saúde pública. A lei foi sancionada no início deste mês e possibilitará ao município interferir para desarmar esse ambiente de insegurança em torno de imóveis abandonados.
A face mais visível dessa condição urbana são as casas abandonadas, tanto faz se estão ao abrigo ou não da preservação do patrimônio histórico. São poucas as que escapam de um destino de deterioração. Elas compõem um cenário contraditório com o ritmo frenético da cidade em movimento e sugerem uma reflexão sobre a trajetória havida até que chegassem a uma condição de abandono. Houve um trajetória. Surgiram, como em geral surge uma casa própria, como um sonho realizado. Foram erguidas aos poucos, planejadas, acalentadas. Janelas se abriram, luzes e – no caso das mais antigas – lampiões foram acesos, crianças brincaram pelos pátios, visitas foram recebidas com mesuras e solenidades, e o sono reparador tinha um teto e paredes que serviam de abrigo a toda intempérie. Havia vida, foram cuidadas com zelo e capricho, a grama cortada, a pintura refeita.
Aos poucos, certamente por circunstâncias familiares, haveria de principiar uma trajetória declinante. A casa foi esvaziando, o ambiente econômico e urbano experimentou alterações com o passar dos anos. Até mesmo a concepção arquitetônica foi se desatualizando. A arquitetura tem desafios: marcar um estilo, uma época, mas, ao mesmo tempo, garantir a integração de um imóvel à evolução urbana, conferir a ele uma utilidade mais prolongada. O imóvel, há casos, passou a não combinar mais com as exigências da cidade, em um descompasso urbano. Por fim, a edificação envelheceu, e tornou-se mais dispendioso mantê-la. As conjecturas prosseguem, sempre que passo à frente de algumas dessas casas, que estão por aí, numerosas, nas ruas da cidade. Até que as janelas foram se fechando, passou a entrar menos luz nos ambientes, a cortina começou a emperrar, as crianças cresceram, os filhos se mudaram, a família foi ficando menor, o imóvel foi alugado a terceiros, que já não o tratavam com o mesmo zelo.
Há casos de residências totalmente deterioradas, fechadas, sem vida, sem luz, com as marcas cruéis do tempo, que mal param em pé, os pátios vazios, que antes eram acolhedores. Há frestas, pelas quais é possível sentir a ausência de luz, a umidade, a sujeira, o cheiro impregnado de mofo, algum pertence deixado para trás. Uma casa abandonada é um símbolo de declínio, a imposição das exigências – arquitetônicas, utilitárias e urbanas – dos novos tempos. Havia vida dentro dela e ao seu redor. Agora não há mais. Como na música de Chico Buarque, o tempo passou na janela... Casas abandonadas são perturbadoras, ao mesmo tempo em que, como na vida, indicam que as pessoas buscam outras formas de acomodação ao ambiente.
Vida que segue. E se pudermos recuperar serventia a essas casas abandonadas, tanto melhor. Elas guardam histórias.