Para a ginasta norte-americana Simone Biles, a saúde mental vale mais do que medalhas de ouro. É a poderosa contribuição que surge dos Jogos Olímpicos, com aplicação prática na vida não só de atletas de ponta, mas na de qualquer mortal. Biles abriu mão de disputar, e possivelmente ganhar, medalhas de ouro, como havia conquistado nos Jogos do Rio de Janeiro, em nome de sua saúde mental. Em uma postagem no Instagram, ela já havia traduzido para a compreensão da vida real todo seu desconforto ao dizer que, em certas ocasiões, sente “o peso do mundo” sobre os ombros.
Biles oferece valioso ensinamento de vida e abre um debate essencial sobre saúde mental. Para isso, vejam só, ela foi capaz de desapegar-se de prováveis resultados obtidos a um custo pessoal mais rigoroso e colocá-los em seu devido lugar na escala de prioridades. Uma heresia em confronto com nosso estilo de vida, em que os resultados são apresentados em pedestais, a serem perseguidos obstinadamente. Ou talvez até ela nem obtivesse esses bons resultados, como deu pistas ao cometer deslize em sua única apresentação em Tóquio, justamente afetada pelos desconfortos à saúde mental.
Outra regra de nosso modelo de vida é alçar as atividades que desempenhamos – no âmbito profissional especialmente – a uma centralidade suprema. E a tecnologia dá uma força para isso. É uma ferramenta valiosa, mas que pode conspirar contra a saúde mental quando eleva o nível de exigência e nos alcança sem piedade. Tudo, ou grande parte de nossas atitudes, decisões, escolhas e comprometimentos, passa a ser justificado pela devoção à profissão que exercemos, muitas vezes guindada à condição de “missão”. Vamos com calma. A centralidade soberana deve ser a integralidade pessoal de cada um, onde a atividade que exercemos é tão somente uma das fatias dessa pizza. Ainda assim, uma fatia importante, e de centralidade significativa e inegável, pois é claro, a profissão também nos abre portas para realizações pessoais e contribuições para melhorar a realidade ao nosso redor. Não só a profissão, porém. E é sobre a necessidade dessa contextualização existencial mais ampla que a escolha pessoal e intransferível de Simone Biles pela saúde mental nos alerta.
Outras fatias dessa pizza da integralidade individual são o convívio em família e em sociedade, a compreensão de seu lugar no mundo, a qualidade de vida, o exercício mais amplo da cidadania, e por aí vai. Tanta coisa igualmente importante. A sabedoria está em combiná-las na dosagem certa. É uma arte. Como os melhores movimentos e as melhores escolhas de Simone Biles.