Eram os nossos telefones celulares, os orelhões. Não, não é o que você está pensando. Não os levávamos de um lado para outro, nem eram pequenos. Pelo contrário, eram fixos e grandões. Não havia acesso à internet. Aliás, não havia internet. Nem eles permitiam fazer pedidos ou realizar operações por algum aplicativo. Mas os orelhões poderiam estar por perto, ou não – não raro, só eram encontrados a algumas quadras de distância. Era preciso, portanto, sair às ruas. Na ausência de um telefone fixo, caso fosse preciso fazer uma ligação de emergência em uma noite de inverno, não tinha outro jeito: era preciso enfrentar a intempérie, o vento gélido, o frio. Mas eles cumpriam uma missão. E cumpriram bem.
Recentemente, a Câmara de Caxias aprovou projeto tendo como alvo os orelhões. As operadoras devem retirá-los das calçadas, onde agora, muito mais do que úteis, foram rebaixados à condição de estorvos à circulação, ou então consertá-los, sob pena de multa. No mais das vezes, os equipamentos ou já inexistem naqueles invólucros protetores em fibra de vidro, as cabines projetadas para as ruas, ou foram vandalizados, ante a indiferença urbana. Ou seja, a retirada é quase um imperativo prático de nossos dias tecnológicos, ditos modernos. Os passantes cruzam pelos orelhões com um ar de quase desprezo, sem considerar a importância que já tiveram. Tornaram-se desnecessários, obsoletos, uma síntese da evolução tecnológica, da diferença entre as décadas, mas deveriam merecer reconhecimento da sociedade.
Você não fazia uma faculdade sem ter de, em algum momento, recorrer ao orelhão mais próximo. Para o contato com a família, em outra cidade, atualizar informações, solicitar uma verba complementar para o mês, pois o dinheiro era curto. Tinha de prever um suprimento das tradicionais fichas telefônicas, ou então recorrer à popular ligação a cobrar, expediente corriqueiro nas chamadas interurbanas. Aplicava-se um 9 na frente do código de área e do número do telefone e, depois de o destinatário ouvir a famosa gravação característica e autorizar a ligação, era só falar. E havia filas, uma pessoa de cada vez. A operação era demorada, poderia se estender, dependia da boa vontade do usuário da frente em preocupar-se com um diálogo mais curto e objetivo, o que nem sempre acontecia, e cuja conversa você ficava a ouvir, diálogos de amor, preocupações ou falta de dinheiro. Quer dizer, privacidade nenhuma. Também não havia cuidados de assepsia, algo impensável e aterrorizante nestes dias de pandemia. Você usava o mesmo bocal em que os usuários anteriores deixavam acumular gotículas de saliva ao falar. E a vida seguia em frente.
Os orelhões, pela relevância dos serviços prestados ao longo de décadas, merecem algum memorial urbano, como justa homenagem.