Quer dizer que uma adolescente não poderá se manifestar sobre questões do assim chamado “mundo dos adultos” porque estará se passando por “inocente útil”, um joguete nas mãos de interesses maiores? Quer dizer, então, que adolescente não tem voz, ou estará condenado a não ter voz? Ou apenas terá voz quando convergir aos interesses de quem decide se essa adolescente é ou não uma “inocente útil”? É muita pretensão, mas é o que temos visto por aí com o advento do fenômeno Greta Thunberg, essa adolescente sueca de 16 anos que veio para pôr fogo no circo. Fogo no circo carcomido. Foi parar na capa da revista Time. Essa é só uma questão preliminar, que não invade o mérito do que Greta tem a dizer e tem dito.
Outra questão preliminar: Greta tem dito com seu jeito, sua personalidade, sua expressão dura e séria o tempo todo, e tem sido carimbada como mal-humorada. É dita mal-agradecida, ora vejam, uma menina incapaz de reconhecer o estágio da humanidade em que nos encontramos, ainda mais tendo nascido em um “berço esplêndido” do bem-estar social, como a Suécia. É uma manobra diversionista: fica com a aparência, e pronto. Pode ser o contrário também: Greta, bem nascida na Suécia, pode, quem sabe, ter a alma generosa. Não está proibida. Está vendo que tem coisa errada no crescimento a qualquer custo, que destrói a natureza, que produz desigualdades, e decide se importar, querer mudar alguma coisa. Talvez não estejamos acostumados com isso, não é mesmo? Daí o estranhamento. Essa é a régua a que estamos acostumados a medir as pessoas. Mas há outras réguas. Só para não esquecer: adolescente pode ver, tem o direito de pensar, refletir e ter ideias, o que é menos surpreendente na Suécia, onde a educação é valorizada e existe uma cultura de bem-estar social fundamentada no respeito ao outro. Já entre nós, as pessoas parecem proibidas de ter uma alma generosa, ou de ser coerentes com o que pensam, necessariamente contaminadas por interesses em jogo.
Greta, na idade ainda uma adolescente, está sendo jovem. Ah, que saudade dos jovens. A postura de Greta precisa ser tema de discussão em nossas escolas. Dever de casa para nossos professores. Greta é a novidade que estes anos masmorrentos não têm nos oferecido. Greta desestabiliza. Toca na ferida de nosso modo de vida, de crescimento a qualquer custo, e cobra dos líderes mundiais. Algo que, como sociedade internacional, sabemos que é exatamente assim que acontece, mas nada fazemos. Seu argumento é límpido como a água: “quando se acredita em algo, precisa fazê-lo”. Estamos desacostumados com isso.