Semana passada contei como o Estado falhou comigo quando um homem não-identificado, ébrio, típico figurante de Cracolândia me perseguiu na rua numa atitude ameaçadora até que um ciclista evitou que algo pior acontecesse. Muitos leitores até podem ter pensado “nada aconteceu, não era assunto para uma coluna”. Bom, se algo tivesse acontecido, não seria tema de coluna, mas lá estaria mais uma vítima de violência urbana retratada numa notinha da editoria de polícia.
O Estado precisa se responsabilizar quando falha principalmente nas três áreas que deveriam ser o foco em benefício da população: segurança, saúde e educação. Nesse sentido, o Estado falhou não só comigo, mas também com o rapaz trôpego com seu histórico de pequenos delitos e ameaças a outras mulheres. Houvesse realmente instituições públicas para tratamento de dependentes químicos, houvesse um sistema de proteção e amparo à infância e adolescência eficaz que desviasse meninos e meninas do caminho do vício e da delinquência, talvez esse homem não tivesse se tornado um zumbi urbano, talvez tivesse a chance de um futuro mais digno.
Claro que esse homem tomou más decisões para chegar a esse ponto. Ninguém escolhe o caminho errado só por viver num país como o Brasil, onde tudo parece testar nossa ética e boa vontade diariamente. No entanto, a culpa de sua situação deplorável não é minha, nem de quem está lendo este texto, nem de qualquer cidadão que cumpre seus deveres éticos, morais, tributários e constitucionais. Portanto, é justo que não se tenha paz e tranquilidade ao andar pelas ruas e locais públicos com medo desses seres zumbis que perambulam pelas ruas gerando angústia nos transeuntes devido à imprevisibilidade e à agressividade de suas atitudes? É certo simplesmente aceitarmos a ausência do Estado onde ele mais deveria se fazer presente?
É meu direito de cidadã não ter medo de ser atacada num domingo de manhã na pracinha da minha cidade e de poder circular livremente sem ameaças. É direito de todos nós pararmos o carro no sinal vermelho sem o pavor de sofrer um assalto. É direito de todo trabalhador pegar o transporte público sem a angústia de ter seus pertences roubados, de sofrer uma agressão ou um estupro ao descer no ponto de ônibus numa rua pouco iluminada.
Ontem (segunda-feira, ), o Estado falhou com a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, que morreu esfaqueada dentro de uma escola em SP. Antes dessa tragédia, a família do assassino de 13 anos já havia buscado ajuda e solicitado atendimento psicológico na rede pública para o adolescente: não conseguiu. Outra escola denunciou o garoto à polícia, alertando do perigo iminente que ele representava: nenhuma autoridade agiu. Se não fossem as duas professoras heroínas que imobilizaram aquele verme e arrancaram a faca de suas mãos, quantas outras vítimas fatais haveria? Resumindo: estamos, como sempre, contando com a ajuda uns dos outros. O Estado simplesmente não está por nós.