Quem acompanha meus textos aqui sabe que publiquei tempos atrás o relato de como fui multada por uma infração de trânsito e arquei com as consequências do meu erro flagrado e devidamente punido pelo Estado. Contudo, questionei o que acontece quando o Estado erra comigo ou com qualquer cidadão cumpridor de seus deveres. Pois bem, domingo passado o Estado errou comigo (de certa maneira, errou com uma comunidade inteira) e, obviamente, não haverá consequência alguma para ele.
Uma das razões por eu ter escolhido viver numa cidade pequena tem a ver com a sensação agradável de poder circular pelas ruas em segurança, viver em relativa paz. Sempre adorei ter a oportunidade de num domingo de manhã passear pela linda pracinha aqui perto de casa e conversar com conhecidos e amigos naquele ritmo que hoje rotulam com o nome chique de “slow city”. Adoro ver as famílias reunidas, as crianças brincando, tutores e cãezinhos passeando, idosos fazendo exercícios na academia ao ar livre, grupos compartilhando a roda de chimarrão. Mas, infelizmente, meu pequeno paraíso idílico foi vilipendiado no último domingo.
Enquanto eu conversava com um ex-aluno e conhecia o lindo bebê dele, passou um daqueles zumbis urbanos, ébrio, errático, cambaleando, cuspindo catarro em quem estivesse por perto. Meu ex-aluno comentou, como se fosse corriqueiro: “Esse aí já tentou roubar minha loja duas vezes”. E o tal “esse aí” estava lá solto, no meio da praça, com uma atitude no mínimo agressiva próxima a crianças. Outra pessoa comentou: “Não tem o que fazer, prendem, soltam, e agora tá ali”. Minha reação diante da presença dessa figura ameaçadora foi a de qualquer pessoa sensata: segui meu caminho, longe do homem de idade indefinida, mas com um ar claríssimo de perigo. Pois bem, vendo que me afastei dos grupos e continuei meu caminho sozinha – celular numa mão, minha cachorrinha na outra –, o tal zumbi começou a me seguir.
Poucas vezes me senti vulnerável na vida, e essa foi uma delas. Saí da praça, atravessei a rua com passos apressados, e o cara avançando trôpego na minha direção, puxando um catarro prestes a cuspir em mim ou tomar o celular da minha mão, me atacar, me empurrar. Na verdade, alguém consegue realmente saber o que uma pessoa dessas – provavelmente um viciado destruído pelo crack – poderia fazer comigo? Pensei no caso do turista alemão que foi derrubado por um trombadinha num assalto no Recife e morreu após bater a cabeça no cordão da calçada. Na verdade, pensei só em coisa ruim.
Bem, para minha sorte, um ciclista estava vindo em minha direção, e eu fui para perto dele. O rapaz imediatamente gritou com o zumbi colocando a bicicleta entre nós e me protegeu. O zumbi apenas rosnou “Que é isso cara?”. E o rapaz retrucou: “Já te vi atacando outras mulheres sozinhas ali na praça. Tu é muito valente em perseguir mulher. Sai daqui. Te some”. O que teria acontecido comigo se esse rapaz não tivesse saído do caminho dele para defender uma desconhecida?
[continua quarta que vem]