O ano de 2023 marca uma década desde que a Vinícola Zanella criou um programa de imersão em Antônio Prado com apaixonados por vinhos de todo o Brasil. Em 2003, na primeira edição do Settimana in Cantina, seis participantes ficaram uma semana elaborando o seu próprio vinho junto com enólogos e profissionais da vinícola. Eles participam de todos os processos, desde a colheita, seleção de grãos até o início da fermentação da uva. Depois, vão acompanhando a evolução do vinho na barrica de carvalho com amostras que são enviadas aos participantes de todo o Brasil.
Na edição deste ano, que é a oitava realizada pela vinícola que só organiza o projeto em ano de boas safras, 21 enófilos participaram das atividades na última semana. O grupo era composto por profissionais das mais variadas áreas, do ramo financeiro, jurídico, imobiliário, da saúde, do agronegócio e da comunicação. Poucos atuavam no mundo dos vinhos, mas muitos já acumulavam participação em várias edições do projeto.
É o caso de Edgar Fedrizzi Filho, de Novo Hamburgo, que participa desde a primeira edição. O corretor de imóveis e dono de fazendas de gado se tornou uma espécie de mentor da turma pelo conhecimento adquirido com o projeto enoturístico.
Entre os sotaques que se misturavam estavam de participantes de São Paulo (SP), Brasília (DF), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Porto Velho (RO) e até o de um dos integrantes que é natural de Porto, Portugal, mas que reside em Cuiabá (MT). Na abertura da Settimana in Cantina 2023, ao distribuir os materiais de trabalho, como camisetas, luvas, aventais, tesoura e chapéu de palha, o diretor da vinícola, Gladimir José Zanella, destacou o que torna a iniciativa tão atrativa para pessoas do Brasil todo:
_ Este vinho aqui é a soma de cada um.
Daqui a dois anos, quando o vinho ficar pronto, os momentos vividos pelo grupo na Serra Gaúcha darão um gosto único para as 3,3 mil garrafas feitas exclusivamente para a linha Settimana in Cantina.
Fermentação integral
Mais do que vivenciar o dia a dia de uma vinícola em época de safra, e da oportunidade de fazer um vinho que terá a assinatura dos participantes, o produto originado do Settimana in Cantina se diferencia por ser algo que só é possível de ser feito pelo baixo volume de produção e pelo grande número de pessoas envolvidas. Um exemplo é a seleção manual de grãos. Depois de uma máquina tirar o engaço da uva, os participantes se revezavam na mesa de seleção para não deixar passar nenhum “galhinho” no meio da uva. Outro destaque do processo de vinificação adotado é a fermentação integral. Na maioria das vezes, ela ocorre em tanques de aço inox. Para esta linha especial da Zanella, ela ocorre dentro de barricas de carvalho francês e americano. Por cerca de 30 dias, o mosto da uva fermenta em contato com estas madeiras que aportam aromas e sabores terciários de forma muito mais intensa do que apenas colocar o vinho após a fermentação para amadurecimento nas mesmas. Ainda assim, após a fermentação integral, o vinho fica por 18 meses nas barricas.
As etapas do processo
A Settimana in Cantina começou na última segunda-feira com a entrega dos materiais e orientações iniciais para a safra. No dia seguinte, após um café da manhã reforçado, o grupo foi dividido em duplas para a colheita da uva Merlot que é a única uva protagonista deste vinho. Apenas a metade mais alta dos vinhedos, cuja insolação era maior e o grau de maturação da uva também, teve colheita. Para amenizar o esforço, um gaiteiro foi convidado para embalar a manhã de trabalho que resultou em 155 caixas com 20 quilos cada de fruta, totalizando mais de três mil quilos.
Na mesma tarde, o enólogo da vinícola, Maicol Zanella, e o enólogo, Marcos Vian, elaboraram junto com os participantes o plano de vinificação para o dia seguinte. A quarta-feira começou com a abertura das barricas de carvalho para deixá-las prontas para receber a uva que seria processada durante a tarde. Cumprida esta etapa, foi a vez de participar de uma degustação orientada com diferentes tipos de barrica, conduzida pelo enólogo Anderson Schmitz.
No dia seguinte, com a uva nas barricas, os participantes fazem a pigeage, processo que empurra para baixo as cascas da uva para extrair mais cor, taninos e aromas para o vinho tinto. Os participantes ainda aprenderam sobre leveduras e seu preparo para adicioná-las ao mosto que fermentaria em seguida. No mesmo dia, o grupo desta edição pôde fazer o corte do vinho da Settimana in Cantina do ano passado. Como trata-se de um varietal 100% Merlot, o corte é entre os vinhos de barricas de carvalho francês e americano.
O último dia da imersão teve como destaque uma degustação às cegas de cortes promovidos pelos próprios alunos. A surpresa se deu, justamente, porque os participantes acabavam não reconhecendo os próprios vinhos.
A preocupação com a imagem da Serra
A oportunidade de vivenciar a rotina de uma vinícola da Serra Gaúcha na época de safra também provocou muitos comentários dos participantes de outras regiões do país sobre como a notícia recente do resgate de mais de 200 trabalhadores em situação análoga à escravidão os entristecia. Conselheiro fiscal de companhias abertas, Valmir Pedro Rossi, que mora em São Paulo, destacou a preocupação ao receber a informação de uma amiga profissional do ramo de compras de uma grande rede de supermercados paulista que estava preferindo comprar de outras regiões em vez da Serra por conta do ocorrido.
E o integrante do grupo 2023 da Settimana in Cantina, que já havia participado também de outras edições, reforçou aos colegas o quanto a vivência da realidade de uma vinícola por uma semana na época de colheita pode ser disseminada por todo o país e pode ajudar a evitar tomadas de decisões que coloquem em risco toda a cadeia vitivinícola de uma região que acumula anos de trabalho e dedicação.