No livro Budapeste, Chico Buarque elege uma cor para a capital da Hungria: amarelo. É a mesma que Deisi da Costa, 33 anos, duas vezes a melhor sommelier do Rio Grande do Sul, escolheu para a casa que pretende morar um dia.
— A casa amarela está no Vale dos Vinhedos. É de madeira antiga, e eu sonho em comprar ela um dia para receber muitas visitas com taças de vinhos, mas para isso eu tenho que parar — confessa a viajante, que acabou de concluir uma expedição de 25 mil quilômetros visitando 100 vinícolas do país.
Primeiro, ela já havia se apaixonado pelos tons amarelados do leste europeu. Antes de iniciar a expedição Vou de Vinhos pelo Brasil, ela colocou na cabeça que iria fazer uma colheita na terra famosa pelo Tokaji, referência mundial em vinhos doces de qualidade.
— Quem vai fazer colheita na Hungria? Eu descobri a vinícola Oremus, mandei um e-mail dizendo que gostaria de ser voluntária, que queria colher as uvas botritizadas (quando o fungo Botrytis cinerea eleva a qualidade em vez de danificar a fruta). Depois de dois meses, o diretor me respondeu perguntando: quem é você? Três meses depois, eu estava indo para lá. E tenho esta paixão até hoje, porque poucas pessoas estudam o leste, que é muito rico em história — conta.
As experiências internacionais que teve antes – morando na Nova Zelândia só para trabalhar com vinhos, e na Irlanda, onde trabalhou de babá para poder juntar dinheiro e visitar as vinícolas tradicionais do velho mundo, nas vizinhas França e Itália – reforçaram a importância de conhecer mais sobre o próprio país.
— Eu vivo em outras décadas, tanto que dou aula de história do vinho no Brasil. E quando eu viajei para fora, eu observava exatamente o que não tinha aqui. Só que, na verdade, a gente tem história, mas ninguém estudava. Em 2032 vamos fechar 500 anos da primeira parreira plantada no Brasil, nós temos que celebrar.
E para registrar esta história, Deisi vai lançar no próximo dia 23 de setembro, na Wine South America, feira internacional de vinhos que ocorre em Bento Gonçalves, o livro que é resultado da expedição que fez pelo Brasil com a técnica em enologia Michele Cordeiro. Foram nove meses de viagem. A publicação terá 270 páginas e vai mostrar os diversos contrastes do país.
— O que mais nos chamou a atenção é que a nossa estrutura de enoturismo brasileira vai além de muitas partes do mundo. As clássicas vinícola de São Roque em São Paulo são muito antigas, e pouco se fala delas, até pelos próprios profissionais da área. Temos uma mina de ouro do enoturismo lá, em que tu voltas no tempo. Em contraste, temos as vinícolas super novas, tecnológicas, como na Chapada Diamantina, em que pareces que tu entras em 2050 – compara.
A próxima parada de Deisi será o concurso nacional de melhor sommelier. A prova teórica será no dia 1º de outubro na regional da Associação Brasileira de Sommeliers. A final, com a prova prática, será no dia 5 de novembro no Spa do Vinho, no Vale dos Vinhedos, no mesmo dia da Avaliação Nacional de Vinhos. Deisi poderá se tornar a primeira mulher a vencer o prêmio.
Resta saber se, depois do concurso, ela vai parar em Bento. Natural de Sapiranga, largou o curso de Psicologia no mesmo fim de semana que decidiu ir a Serra só para mergulhar um pouco mais na paixão descoberta ao provar a primeira taça de Carménère com 22 anos. Na mesma noite que chegou em Bento, já fechou contrato para alugar uma casa. Largou emprego e faculdade para experiências em hotel, vinícola, importadoras e vários negócios do setor. Atualmente, trabalha também como consultora. Tem vezes que passa o dia degustando. Com tantas referências, escolher o melhor vinho é um desafio tão grande quanto eleger o próximo destino.
— A estrada sempre foi minha casa. Sem estrada não consigo sobreviver. Eu falo que moro há 11 anos em Bento, mas é uma mentira. Digo que vou ficar quieta, mas nunca cumpri.
Assim, também é mais fácil para Deisi dizer o estilo de vinhos que prefere do que um rótulo. São aqueles que têm opulência, de regiões quentes, mas de preferência os escondidos nas adegas, com notas envelhecidas e toques terrosos. Assim como aqueles que ela encontra em suas andanças pelas terras amarelas, seja da Hungria ou onde um dia pretende fincar raízes em uma casa da mesma tonalidade ou não...