O dono de uma das maiores lojas físicas de vinhos do país _ com mais de mil metros quadrados, três pavimentos e caves subterrâneas _ gosta mesmo é de um cantinho de menos de 10 metros quadrados enfiado em meio a depósitos de caixas, onde estão algumas raridades. Para armazenar os vinhos mais caros comercializados pela Boccati, há adegas subterrâneas com portas de ferro. Mas as garrafas que Julio D'Agostini guarda em uma espécie de porão embaixo de sua residência têm um valor sentimental incalculável.
É ali que estão, por exemplo, os vinhos que "herdou" de Raul Randon. Ao dono da Boccati foi concedida a tutela de boa parte da adega particular do visionário industrial. Há desde os primeiros exemplares produzidos por Randon aos fabricados por outras vinícolas que ele apreciava.
— Ainda não tive coragem de tomar nenhum dos vinhos dele, mas ele era um defensor do vinho nacional como a gente é também aqui. Muitos desses vinhos, talvez 90%, são daqui. Se consumia muito Cabernet Sauvignon e Merlot, que eram ícones da época dos primeiros vinhos que ele guardava — conta Julinho.
E foi a empresa de Raul Randon que deu início à própria história da Boccati. Julinho começou como distribuidor de maçãs da RAR na região Sul do Brasil. Depois vieram os queijos. Promovendo degustações do Gran Formaggio para empresas, os clientes, muitos de fora, acabavam pedindo vinhos. E foi aí que Julinho, como é conhecido depois de mais de 27 anos atuando como vendedor, estabeleceu seu primeiro fornecedor.
— Começamos com a Miolo e hoje a gente trabalha com 3,5 mil rótulos — recorda.
Nas paredes da Boccati é possível encontrar raridades, como garrafas da década de 1950 de algumas vinícolas da Serra, como a Granja União. Mas elas cumprem papel decorativo já que eram vinhos que não tinham capacidade de envelhecimento. O "ouro" mesmo está em meio a teias de aranhas na adega escondida de Julinho. O vinho mais antigo dele é um Barollo da década de 1980.
— É um vinho italiano, mas eu gostaria que, daqui a alguns anos, possa dizer que o meu mais antigo é um brasileiro. É que o nosso país começou sua tradição de vinhos bem depois da Itália e de muitos países. Essa nossa história é recente, mas está se consolidando — aponta.
Entre os vinhos brasileiros mais antigos que armazena nas caves subterrâneas da loja estão exemplares do início dos anos 2000. Mas não é tão fácil assim conseguir comprar:
— A gente cede uma garrafa ou outra, mas não temos aberta a venda, pois assim a gente ficaria sem garrafas. Confesso que a pandemia esvaziou até a minha própria adega. Mas, desde o início, temos no DNA a importância de guardar os vinhos para, no momento certo, oferecer para o público — conta Julinho.
O vendedor da Serra orgulha-se de que hoje sua loja venda bem mais produtos nacionais do que há uma década, quando 95% da comercialização era de importados.
— A gente trabalha bem o vinho brasileiro porque acredita nele, porque estamos aqui do lado dos produtores, porque ele não perde qualidade em viagem, está bem conservado. E hoje já estamos quase meio a meio nas vendas, o que é alto porque, se tu vais em uma gôndola de supermercado em qualquer lugar do Brasil, muitas vezes, esse percentual não chega em 10% de vinho nacional — compara.
No caso dos espumantes, 95% das vendas da Boccati são de produtos brasileiros. Apesar do tamanho da loja e do número de profissionais que atuam ali, o maior faturamento de Julinho não vem do varejo. Vem do setor de vinhos também, mas da indústria que criou para fabricar acessórios nos anos 2000. O que começou com champanheiras e taças, hoje tem saca-rolhas, e parceria com grandes fabricantes mundiais de cristais. Este segmento já representa 60% do faturamento do empreendedor.
E a diversificação de negócios de Julinho não para por aí. Recentemente, ele abriu o Giardino, área externa anexa a loja de vinhos com 200 metros quadrados, que funciona como um bar de vinhos. E já está no radar o projeto de criar uma charutaria, já que é um público que também costuma consumir vinhos.
Outro sonho de Julinho é que sua loja, que é uma grande adega, também possa abrigar a memória de vinhos de muitas famílias e vinícolas da Serra. Assim como os vinhos que guarda e nem tem coragem de tomar, acredita que um dia possa criar uma espécie de museu dos vinhos mais antigos da região em parceria com quem faz esta história.