O fotógrafo Egon Filter, 58 anos, é conhecido pelo projeto Caminho das Estrelas que registra os astros no céu gaúcho. Antes de se dedicar a ter este contato maior com a natureza, trabalhou por décadas como executivo no ramo de petroquímica.
Nos últimos anos, trocou o terno, a vida urbana e as viagens de negócios pelas atividades no campo em Cambará do Sul e por viagens pelo interior do Rio Grande do Sul para fotografar.
Recentemente, Filter esteve em Caxias do Sul, participando da Semana do Fotógrafo, para conversar sobre fotografia de expedições. Aproveitamos a oportunidade para conversar também sobre como foi a transição de carreira. Acompanhe:
Como foi teu planejamento de transição de carreira?
Na vida da gente, temos três fases. Quando somos criança e adolescente, nós não temos tantas responsabilidades; depois queremos construir carreira, acumular patrimônio, ter poder, projeção e todas essas coisas mundanas; até que tu chegas em uma fase da vida em que tu já estás mais perto de partir e tens que priorizar o viver feliz. Eu estou nessa parte.
Antes disso, como se tornou um executivo?
Eu sou de Porto Alegre, graduei em Engenharia Química e Direito, fiz mestrado, estudei inglês, alemão... Aí, quando comecei a fazer francês, pensei: “tô ficando meio louco” e disse chega. Como executivo, trabalhei muitos anos em empresas multinacionais. Na minha mesa era tudo em outras línguas. Pelas empresas, tive que viajar muito por muitos anos. A primeira que trabalhei era brasileira e se chamava Nitriflex e fazia parte do sistema Petroquisa/Petrobrás, mas que em 1995, quando o Collor (ex-presidente Fernando Collor de Mello) abriu fronteiras, foi vendida para um grande grupo holandês chamado DSM, que foi privatizado na década de 1970. Então eu viajei, ajudei a construir fábricas na Holanda, China, Estados Unidos. Mas essas eram as viagens profissionais, porque eu sempre tirava períodos de férias em que fazia viagens e expedições fotográficas. E eu tinha o seguinte desafio: viajar para lugares em que a Coca-Cola não chegou ainda. Confesso que nunca consegui! Sempre fui para lugares bastante remotos, os desertos do planeta, as grandeiras cordilheiras, polos, lugares extremos... Vi tribos com pouco contato na África. Foi esse hobbie da fotografia que me deu forte bagagem, conhecimento e vivência.
Como decidiu largar a vida empresarial?
Depois dos 50 anos, você começa a pensar o que vai fazer na terceira fase. E aí aproveitei uma das novas reorganizações cíclicas da empresa e, com 57 anos, eu disse que já tinha contribuído o suficiente e programei minha saída. Fiquei mais um ano para deixar tudo redondinho para o sucessor. Eu era diretor executivo na Arlanxeo, joint venture que pertence hoje 100% ao grupo Saudi-Aramco (multinacional saudita). Também trabalhei alguns anos para a Lanxess, um grupo alemão, com fábricas em todo o mundo. Mas sobre a transição para deixar de ser executivo, me parece que pouca gente se prepara para isso. As pessoas ficam adiando esse momento, onde iremos abrir mão da renda certa para algo incerto. São desafios que a gente precisa se preparar mais psicologicamente do que materialmente.
Por que Cambará?
Como sempre gostei de fotografar no Rio Grande do Sul, e há mais de 20 anos ia a Cambará fotografar, quando eu decidir parar, eu pensei que Porto Alegre não era um lugar para eu envelhecer. Eu precisava de um lugar mais calmo e perto da natureza. Tem muitas opções no Estado, mas escolhi Cambará porque parece que a gente está mais perto das estrelas lá, mais perto do “cara” lá de cima, e também porque foi onde me integrei mais com a natureza.
E como está sendo a vida no agro?
A gente tem coisas que gosta de fazer e que não nos damos tempo para isso. Que incrível é poder plantar uma mudinha, vê-la crescer e depois poder colher os frutos. Não tem recompensa melhor. Ou ir na mata recolher os pinhões que ela está te dando de presente. Esse contato com animais silvestres em volta - uma vida que tu respiras o ar puro todo dia, sentas ao lado da casa e as seriemas, gralhas-azui e canários vêm perto de ti - isso não tem preço. Claro que a gente tem que estudar sobre agro, não dá para plantar qualquer coisa em lugar frio que não vai dar. Na vida profissional, a gente sempre tem que estudar muito e nessa outra fase da vida também.
Qual o tamanho da produção e como está a tua renda?
Tenho mais de 30 tipos de frutíferas em um hectare com 680 árvores, além de dois hectares de mata nativa reservada à preservação ambiental. As frutas que eu planto são para eu comer. Se não der conta, dou de presente aos amigos. A última prioridade é a venda.
Eu fiz uma casa autossuficiente, com geração própria de água e energia, pensando em custo fixo baixo. Tenho uma renda fixa pequena de aposentadoria. É menos de 5% do que ganhava antes. Tem gente que vai dizer: “que queda de padrão”, mas eu me planejei para ter uma vida simples e estou feliz com isso, o que é o mais importante. Afinal, qual o motivo de estarmos aqui?