Há uma expressão comum entre as mães, que diz o seguinte: “nasce uma mãe, nasce uma dúvida”. A verdade é que as mães estão sempre buscando o equilíbrio entre a dedicação aos filhos, a si mesmas e aos outros, o que inclui dezenas de atividades que valorizam cada segundo das 24 horas de um dia. Só quem é mãe sabe...
Se é preciso deixar o filho com outras pessoas para que possa desempenhar sua função profissional, a mãe se cobra por não ter mais tempo com a criança. Se, em vez disso, fica em casa, se culpa por estar comprometendo a carreira. Esse é só um exemplo dos dilemas diários que acompanham as mulheres que decidem ter filhos. Uma parte delas opta por empreender, seja pelo perfil do negócio que escolheu ou mesmo por apostar em uma autonomia maior para definir a agenda pessoal e profissional.
Em comum entre as entrevistadas a seguir, há um certo sentimento de “privilégio” por, pelo menos, poderem escolher como administrar suas rotinas, mesmo que isso signifique passar noites sem dormir, trabalhando de madrugada para ter mais tempo com os filhos durante o dia. E não estou nem mencionando os despertares noturnos das crianças e, mesmo assim, as mães buscam estar plenas para mais um dia de trabalho na manhã seguinte.
A mãe que leva a filha desde os seis meses para a metalúrgica destaca a oportunidade da empresa ser da família o que permitiu que o setor administrativo fosse transformado em uma filial do quarto da criança, mesmo que para conciliar os afazeres a profissional frequentemente tenha a filha no colo enquanto está ao telefone. Mas quem disse que atenção plena existe no mundo materno? E quem disse que o trabalho ou a criação é prejudicada por isso?
E todo esforço feito para conciliar dois mundos que parecem ser tão opostos parece em vão quando a mãe “não dá conta”, uma expressão que as mulheres gostariam de riscar do vocabulário. Acreditem: a autocobrança consegue ser pior do que o olhar da criança quando pede mais atenção da mãe. Aí é que entra a importância de compartilhar experiências, pois esse coração cheio de angústias não bate apenas em um peito. Só que esta mesma mãe, que sabe o que é sentir outro coração batendo dentro de si, por vezes, se sente sozinha. E, quando trata-se de empreender, esta sensação de isolamento se acentua.
As histórias de mães empreendedoras compartilhadas a seguir, mostram uma rede de apoio que vai além do significado atribuído ao tema atualmente, pressupondo ajuda para que as mães possam dar conta dos seus sonhos. Elas provam que estas mães não estão sozinhas, que as suas histórias são as de muitas outras e, o principal, que seus filhos também não estão. Pelo contrário: nasce um filho, nasce a certeza do que faz as mães se multiplicarem: o amor.
“Vamos tocando os negócios enquanto ela brinca”
Gabriela da Silva de Sá Mourão, 34 anos, avisa a quem entra na metalúrgica que administra para não se espantarem com o cenário que nem parece o de uma fabricante de flexíveis de freio para caminhão, mangueiras e terminais hidráulicos:
— Eu sempre falo: “não repara a creche”. Aqui nem parece um escritório, porque a criança ainda vai de manhã no trabalho com a gente, e temos que “nos virar nos 30” — conta a mãe de Catarina, que vai completar três anos no dia 30 de maio.
Em breve, a “escolinha” vai ganhar mais uma integrante, porque Gabriela está grávida de 16 semanas de uma menina também. O nome ainda não foi escolhido.
— Até nisso o segundo filho é diferente. Na primeira gestação, a gente já sabia o nome a esta altura da gravidez — compara.
Enquanto atendia a reportagem com a filha no colo, a mais velha da prole ia pedindo para que a mãe fosse auxiliando nos desenhos e opinando sobre como a irmã deveria se chamar:
— Everest — disse Catarina.
Neste caso, Everest não remete a uma cadeia montanhosa, mas ao nome de uma personagem do desenho animado Patrulha Canina. E os pais confessam que, por enquanto, é assim mesmo que a bebê vem sendo chamada. Este clima leve, proporcionado por uma criança em um ambiente de trabalho, compensa o desafio de conciliar maternidade com os afazeres profissionais.
Gabriela leva a filha para a sede da metalúrgica Sá Mourão, na localidade de Burati, no interior de Farroupilha, desde quando Catarina tinha seis meses. Ela e o marido Felipe Corso de Sá Mourão não dividem apenas as atividades na empresa, se revezam também nos cuidados da pequena.
— Vamos tocando os negócios enquanto ela brinca. Quando preciso focar em algo e não dividir a atenção com ela, o marido fica de recreacionista — conta.
Catarina está começando a adaptação em uma escola de educação infantil, pois a chegada da irmãzinha vai precisar deixa a mãe mais “liberada”. A ideia é que a nova integrante da família siga os passos da mais velha ao frequentar a fábrica nos primeiros meses de vida. Para isso, o ambiente seguirá adaptado. Uma das recepções do prédio virou a recreação. Uma outra sala da empresa se transformou em quarto de bebê.
— Tive que colocar berço, cortina blackout, ar condicionado — conta Gabriela.
Mesmo antes da pandemia, este cenário já estava sendo planejado.
— Eu sempre imaginei levar meus filhos no escritório, porque eu cresci dentro da empresa, meu marido também — recorda.
A atividade na metalúrgica não é a única profissão de Gabriela. Quando Catarina tinha quatro meses, fez um curso para aprender a lidar com o sono do bebê e acabou trabalhando como consultora para um pediatra especialista no tema. Depois desta experiência online, decidiu empreender para auxiliar outras mães e criou o Clube das Plenas, que já atendeu mais de 100 mães em um ano.
— Sou grata por poder vivenciar tudo isso, porque a maioria das mães não consegue ter o filho junto. Fico grata quando outras mães conseguem procurar ajuda, resolver dificuldades, seja do filho que não dorme, seja com um acolhimento — revela.
“Vale a pena todo esforço e as noites com poucas horas de sono”
A médica Luciane Dalcin Maciel, 39, é mãe de Antonia, nove, Isidoro, sete e, Aurora, de quatro. A opção pela família grande também exige da pediatra uma rotina profissional adaptada, em que a mãe fez muitas opções para priorizar o maior tempo possível com as crianças. Até pouco tempo, não tinha ajuda de babá em casa, nem secretária no consultório. Além disso, mantém uma rotina de dois a quatro plantões noturnos em hospitais de Caxias por semana. Todo sono acumulado é compensado com demonstrações de carinho dos filhos, como a que Luciane recebeu nesta semana. Revisando o caderno de Antonia, a mais velha, Luciane encontrou uma atividade em que pedia para escolher as palavras que caracterizavam a mãe:
— Trabalhadora, gentil, divertida, carinhosa e amorosa — descreveu.
A pediatra disse que ficou impressionada com a percepção da filha sem nunca terem conversado sobre o tema.
— Acho que ser mãe empreendedora é exatamente sobre isso: demonstrar para nossos filhos, através de nossas ações, que o nosso trabalho é importante para nós e para os outros, assim como o afeto e carinho que temos por eles. São situações que não competem, elas se completam — defende Luciane.
Quem acompanha a rotina da médica com seus três filhos fica se perguntando como ela consegue levar as crianças na escola, na natação, na aula de música, e ainda fazer oficinas de colagem com sucatas, atendendo no consultório e fazendo plantões nos hospitais Pompéia, Círculo Operário e Unidade de Pronto-Atendimento da Zona Norte.
— Tenho o defeito de controlar todas as coisas ao redor, o que funciona bem, mas acaba sobrecarregando. Mas eu priorizei as crianças. Quando eram menores, eu reduzi o fluxo do escritório e eu mesma fazia a administração, era a secretária, porque não tinha uma demanda tão pesada — recorda.
Além da ajuda do marido, Ederson Boeira Maciel, administrador de empresas e representante comercial autônomo, para intensificar os trabalhos como pediatra – agora que as crianças estão maiores e a mais nova já está na escola – a médica resolveu unir forças com outras pediatras mães e empreendedoras. No final do ano passado, fundou a Tre Bambini, juntamente com Ana Paula Rosiak e Amanda Saenz Mussatto. Juntas, estão conseguindo potencializar ainda mais os atendimentos.
Há cerca de 30 dias, elas lançaram um projeto de atendimento domiciliar, porque perceberam que muitas mães no pós-parto ou com outros filhos pequenos e ainda outras situações que dificultam o deslocamento, acabavam demandando esse suporte familiar.
Além da união, organização e dedicação, a pediatra dá dicas do coração para outras mães trabalhadoras:
— Vale a pena todo esforço, as noites com poucas horas de sono, cada minuto investido em estudo, especialização, e o tempo dedicado aos meus filhos. É isso que nos move. Cada fase requer estratégias diferentes e a gente se adapta. Querendo, tendo determinação, a gente consegue e a sensação é de coração quentinho. Mas tem que ter foco e paciência. Tem momentos que o trabalho fica em segundo plano, mas em outro ele se sobressai e a gente vai equilibrando.
“Escolhi minha família quando escolhi empreender”
Mayara Samia Machado, 37, é mãe de Alice, oito. Por duas vezes, decidiu abrir mão de empregos de carteira assinada para ser empreendedora desde que a menina nasceu. Estas mudanças de carreira fortaleceram a percepção de que sendo dona do própria negócio a caxiense teria melhores condições de se sentir realizada no papel de mãe e profissional.
Ela é uma das responsáveis pela franquia do Clube W2W, em Caxias do Sul. O objetivo deste projeto é auxiliar no desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres. O clube está presente em mais de 30 cidades do Brasil e conta com mais de 1,4 mil sócias. A intenção dele é proporcionar para mais mulheres uma boa rede de relacionamento e um conteúdo rico em desenvolvimento humano.
— A gente percebe que o empreendedorismo é um mundo muito solitário. Se estamos trabalhando e deixando a criança na escola, somos julgadas. Ficando em casa com ela, também. Então você vai fazendo opções em que acha que só você está tendo dificuldades. Quando se une a outras mulheres, e percebe que outras fizeram as mesmas escolhas, ou que elas também sofreram porque o filho não comia direito, ou teve febre... fica mais fácil de conversar — destaca Mayara.
A empresária escolheu sair do regime CLT quando Alice nasceu. Pediu demissão, mas nem por isso deixou de trabalhar. Reduziu para meio turno sua jornada e conseguiu conciliar as atividades profissionais com a recém-nascida e a ajuda de outros cuidadores, além do marido, o empresário Aldo Corso Neto, 40. Uma nova tentativa de trabalhar com carteira assinada, quando a criança já estava maior, também não perdurou por muito tempo.
— Escolhi minha família quando escolhi empreender. Sucesso profissional é importante, mas não é tudo quando a gente é mãe. A gente é muito mais feliz quando tem equilíbrio — defende.
Atualmente Mayara trabalha em casa, tanto no Clube W2W quanto com na realização de treinamentos de vendas, visto que a maioria das atividades é online. Alice, por sua vez, deixou de ir para a escola em turno integral. Tem aulas só à tarde. Por isso, as duas compartilham as manhãs, almoçam e jantam juntas todos os dias.