Céliz Frizzo, 46 anos, é executiva de uma das maiores fabricantes de utilidades domésticas do país. Mas ela não é apenas conhecida por ser gerente de Recursos Humanos da Brinox. Tem mais de 20 anos de carreira em empresas de grande porte, como Randon e Arezzo&CO.
Graduada em Administração de Empresas pela UFSM e com especializações nas áreas de gestão de pessoas e empresarial, Céliz construiu sua carreira na Serra, onde também formou família. É mãe de Otávio, 12 anos. Além disso, é corredora, apaixonada por moda, gastronomia e por gente.
Recentemente, também fundou o núcleo de Caxias do Sul do Grupo Mulheres do Brasil. Confira os principais trechos da entrevista.
Você é natural de Santa Maria, onde fez sua formação. Como veio parar em Caxias e por que decidiu se estabelecer na região?
Estou em Caxias desde 1997. Santa Maria é um polo universitário, mas como estudei Administração, não tinha muito campo de atuação. Foi aí que vim fazer o estágio de final de curso na Randon, onde acabei trabalhando por 18 anos. Brinco com meus colegas que eu já fui geração Y, porque naquela época as pessoas da Serra se casavam, tinham filhos e depois iam estudar, até porque precisavam de um sustento para formação particular. Já eu, primeiro me formei e depois fui para o mercado, entrei com uma leva de pessoas jovens que já eram formadas, o que era diferente para a época em Caxias. A maior parte do tempo trabalhei em recursos humanos, onde fiz carreira. Mas, como sou formada em Administração, tenho uma inquietude de ser do negócio. Costumo dizer que sou uma administradora com um pé em RH. Nunca perco a visão do todo, desse olhar que a administração dá. Na Randon, também tive oportunidade de trabalhar por dois anos em planejamento estratégico. Depois fui ser gestora de um time de RH e foi aí que virei executiva. Mais adiante, também tive a experiência de implantar o centro de serviços compartilhados, que é uma unidade de negócios do grupo que presta serviços para outras empresas, como cálculo de folha de pagamento.
Apesar do tempo que passou na mesma empresa, você desempenhou diversas funções.
É isso que a gente olha no currículo das pessoas que também ficam 20 anos em um mesmo lugar. Se elas estão fazendo a mesma coisa, ou se elas se movem, fazem vários projetos. Eu não me sinto como se tivesse trabalhado 18 anos em um mesmo lugar. É como se tivesse trabalhado em várias empresas.
E como foi migrar da indústria pesada para empresas que fornecem calçados e utilidades domésticas?
Sempre tive um desejo de trabalhar em um lugar em que o produto eu pudesse ter na minha casa para me conectar melhor com a marca. E a minha primeira experiencia assim foi no grupo Arezzo&CO. Fui gerente de RH em Campo Bom. Foi uma grande transformação na minha vida e trajetória profissional. Me renovei, porque esse tipo de varejo é muito rápido, vai ao encontro do que vivemos hoje, com ciclos curtos de implementação. Você não pode mais levar três anos para implementar, vai ter que "fatiar" e ir fazendo. Enquanto eu estava na Arezzo, apareceu a oportunidade na Brinox. Também é uma empresa de produtos totalmente diferente de uma indústria pesada, automotiva. A Randon me deu uma base muito importante de processos, de gestão estruturada, que consigo trazer para um novo mundo mais flexível, mais rápido pela característica de varejo. Fui a primeira gerente de RH do grupo Brinox. Antes era uma estrutura mais enxuta nessa área, mas a gestão entendeu que precisava de alguém mais estratégico para levar a cultura a outro patamar, dar sustentação ao crescimento da empresa e promover a transformação cultural. Isso foi em 2017. Desde então, dobramos o número de funcionários (hoje são 1.200), abrimos uma unidade no Espírito Santo e a empresa cresceu muito.
Em 20 anos atuando em RHs de empresas, nenhuma experiência deve ter sido tão intensa quanto a do último ano em função da pandemia, certo?
De longe é a experiência que mais me desafiou justamente porque, no começo, eu achava que saberia como lidar. Meu filho nasceu no auge da gripe H1N1, em 2009. Na época, tínhamos hospitais fechados. Eu pensava: "já vivi isso, vou poder usar essa experiência". Mas não foi nada disso. A covid veio para nos mostrar que precisávamos encontrar soluções totalmente diferentes. Meu papel, junto com a gestão da empresa, foi buscar equilibrar o bem-estar das pessoas com os negócios. Um exercício diário. Passamos por decisões difíceis, como a de ter que demitir. Mas a gente precisava garantir o negócio para manter o emprego da maioria. Felizmente, o mercado reagiu e nós conseguimos convidar várias pessoas a voltarem.
E o desafio de agora é o retorno presencial de quem estava há mais de um ano e meio no trabalho remoto. Como está sendo?
Nessa reação rápida do mercado, fruto também de projetos que estávamos desenhando, é como se a empresa fosse um avião que arremeteu. Teve uma queda brusca e depois um crescimento muito rápido. Nosso grande desafio agora é incorporar a cultura da empresa. É transmitir conhecimento para essas novas pessoas que entraram em um momento de muito trabalho e turbulência. Muitas pessoas nem tiveram oportunidade de conhecer o escritório. Hoje 40% do time administrativo é novo. Então precisamos acelerar ainda mais a integração, o conhecimento, o aculturamento. Por isso que apostamos no modelo híbrido, porque juntos a gente consegue acelerar o treinamento, conexão e conhecimento do negócio.
Muitas empresas destacam dificuldade para contratações? É também outro desafio do momento atual de retomada?
É, mas por outro lado, com a implantação do home office, ampliamos a nossa possibilidade de contratar. Tenho times com pessoas em outras cidades. Hoje temos uma designer que mora em Curitiba. A área de marketing está toda em Caxias, mas a gerente mora em São Paulo. O modelo trouxe uma possibilidade de ter pessoas colaborando na nossa equipe e morando em outros lugares, o que amplia a atração de talentos em áreas com escassez de pessoas aqui na região. Tem áreas que já vinham sendo muito demandadas, como a TI, e com a pandemia foram muito mais. Também vivemos um momento de virada, em que os profissionais estão sendo muito demandados a se atualizar. Abrimos vagas que têm até 800 pessoas se inscrevendo, mas, quando olhamos para as competências e conhecimentos, temos dificuldades porque são pessoas que não estão conseguindo acompanhar as transformações do mercado. O tempo que se gasta em redes sociais precisa ser direcionado para estudar. Tem muita coisa disponível, mas as pessoas não estão se dando conta que precisam acelerar sua atualização para não ficarem obsoletas.
O teu engajamento com o núcleo Mulheres do Brasil também chama a atenção. O que te motivou a fundá-lo na região?
Com a Brinox, recebi o presente de trabalhar na causa social do enfrentamento da violência contra a mulher. Aprofundando esse tema, e também pelo grupo ter uma interação muito próxima com a Magazine Luzia, que é nossa cliente, conheci a Luiza Trajano em fevereiro de 2020. Foi aí que entendi que era hora de devolver para o mundo tudo que recebi até aqui. Me identifiquei muito com a causa que é trabalhar pelo protagonismo feminino. Hoje tem muita discussão de feminismo, mas se confunde muito este tema. Feminismo não é mulher contra homens. É a busca pela igualdade de oportunidades, opiniões e temos muito a evoluir. Trouxe o movimento para Caxias por isso, porque temos muito a fazer para dar voz às mulheres. Trabalhamos comitês, com vários assuntos, como o letramento racial, por exemplo, para entender o que é racimo estrutural, o que as pessoas fazem, que é racismo, e nem percebem. Estamos estruturando um comitê de empreendedorismo. Eu, particularmente, defendo muito que a inclusão da mulher no mercado de trabalho é estruturante. Também é o ponto de virada para saírem de um relacionamento abusivo, mantido por conta da dependência financeira. Sempre que falo com empresários, empresas, instituições, destaco que é preciso olhar para o mercado de trabalho para abrir mais oportunidades. Não tem trabalho que a mulher não possa fazer. Estão em todos os cursos e áreas, mas o percentual no mercado de trabalho em Caxias, que tem a indústria muito forte, ainda é muito menor para mulheres. Faço esse link do meu trabalho em RH como nossa contribuição enquanto profissionais, empresários.