Quando se tornou clara a dimensão dos estragos provocados pela enchente de maio, ficou evidente que o poder público não teria recursos financeiros e humanos para rapidamente dar conta de tudo o que havia sido destruído. Essa percepção foi o gatilho para que entidades e empresários da Serra iniciassem ações mobilizações e campanhas a fim de atacar as situações mais urgentes.
As primeiras iniciativas focaram no atendimento emergencial às pessoas. No entanto, logo se notou que a normalidade, inclusive para as ações humanitárias, só seria possível quando a infraestrutura estivesse minimamente restabelecida. Assim, os trabalhos de recuperação de estradas, encostas e equipamentos de transporte acabaram ganhando prioridade.
Passado mais de um mês do início da enchente, entenda como estão algumas das principais campanhas idealizadas por empresários da região. O quadro é diverso, pois enquanto algumas já estão concluídas, outras seguiram e se atualizaram e há ações ainda no início, projetando um trabalho de longo prazo para recuperação e melhorias de infraestruturas.
Todos Pela Serra Gaúcha foca em ações no aeroporto
Uma transmissão ao vivo pela internet no dia 8 de junho apresentou o portal da campanha Todos pela Serra Gaúcha. A iniciativa, lançada pelo MobiCaxias e que conta com o apoio de diversas entidades empresariais e da comunidade, tem como meta auxiliar na arrecadação de recursos para a recuperação de estruturas danificadas pela chuva.
O site traz um painel onde aparecem os orçamentos e os valores prometidos para obras prioritárias. No espaço estão disponíveis esclarecimentos sobre as campanhas e um Portal de Transparência, onde serão apresentados os dados relativos ao recebimento e aplicação dos recursos. Além disso, há orientações sobre como doar para a campanha, que recebe dinheiro de pessoas físicas e jurídicas.
Três eixos principais de arrecadação foram definidos inicialmente: melhorias no Aeroporto Hugo Cantergiani; a ponte sobre o Rio Caí, entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis; e a ponte do Rio das Antas, entre Cotiporã e Bento Gonçalves. A boa notícia é que duas das três metas estabelecidas já foram cumpridas.
O valor necessário para a construção de uma ponte provisória sobre o Caí, que é de R$ 5 milhões, já aparece como totalmente arrecadado no painel. Outra meta já cumprida é a nova ponte entre Cotiporã e Bento, que também previa R$ 5 milhões. Os objetivos foram cumpridos com repasses de verbas federais, providenciados por órgãos como o Dnit e o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Com duas demandas já encaminhadas, as atenções se voltam ao projeto que prevê uma arrecadação maior, de reforma do Aeroporto Hugo Cantergiani. Do orçamento de R$ 15 milhões para a obra, até a tarde de ontem já havia um montante de R$ 7,675 milhões prometidos.
O planejamento inicial do MobiCaxias prevê que o dinheiro seja obtido de três fontes diferentes: prefeitura de Caxias, emendas parlamentares e doações, onde cada uma vai investir R$ 5 milhões. A parte do Executivo caxiense já está garantida.
Verbas emergenciais
De acordo com Rogério Rodrigues, diretor-executivo do MobiCaxias, um pedido de encaminhamento de verbas emergenciais para a reforma do aeroporto está sendo encaminhado aos governos estadual e federal. Este aporte agilizaria os trabalhos, e autoridades estão sendo chamadas a colaborar. Ele também informa que há articulações entre políticos que apoiam a causa, para que mais verbas de emendas sejam conseguidas.
— Os deputados (Marcel) Van Hatten e Maurício Marcon destinaram R$ 1,3 milhão. A deputada Denise (Pessôa) deu R$ 500 mil durante a live, de uma emenda do ano que vem, pois as verbas deste ano já estavam destinadas. E o senador (Luis Carlos) Heinze prometeu R$ 800 mil. Eles combinaram que vão pedir a coordenação da bancada gaúcha para usar um dispositivo que prevê, em caso de calamidade, a antecipação de emendas do ano que vem, com pagamento agora. Nossa expectativa é que tenhamos todo o dinheiro já conseguido até o fim deste mês de junho — ressalta Rodrigues.
A reforma do aeroporto prevê o recapeamento completo da pista e a compra de um novo equipamento de sinalização da pista, conhecido pela sigla Papi. O setor de embarque passará a contar com mais 300m², enquanto que o desembarque terá mais 260m². Além disso, uma nova esteira para bagagens e detector de metais também estão previstos.
Campanha SuperAção atualiza as metas para a região
Comandada pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), a campanha SuperAção Serra Gaúcha estabeleceu iniciativas em várias frentes. Além de se manter ativa, a campanha passou por uma recente avaliação, atualizando os cinco pilares que inicialmente estavam estabelecidos. E a ideia é que as ações se estendam por um bom tempo, a fim de organizar a busca pela recuperação dos prejuízos. Até ontem, conforme o site da iniciativa, a arrecadação passava de R$ 102 mil.
De acordo com o presidente da CIC, Celestino Loro, as frentes de atuação inicialmente eram Materiais, Legislação Trabalhista, Financiamento, Acesso Aeroportuário e Acesso Rodoviário. No entender dele, os três primeiros tópicos foram bem-sucedidos, respectivamente garantindo que não faltassem suprimentos, que o governo gerasse opções para que as empresas mantivessem empregos e dinheiro para permitir o funcionamento.
Uma das atualizações da campanha prevê uma transformação do pilar Legislação Trabalhista em Trabalho e Migrações. O objetivo é cuidar das movimentações de pessoas, negócios e empresas, com a meta de preparar a Serra para um provável aumento da vinda de pessoas, além de buscar condições para receber negócios que queiram deixar áreas que passaram a ser consideradas de risco, evitando que deixem o RS. Já o setor responsável por materiais busca fomentar negócios, movimentando a economia local.
Em relação ao aeroporto, Loro ressalta que, no fim de maio, foi entregue ao Estado um relatório feito pela Diretoria de Infraestrutura da CIC, com uma lista detalhada de obras e melhorias necessárias, estimadas em R$ 13,9 milhões. Ele não descarta que alguns empresários possam aportar algum dinheiro, mas cobra presença mais forte do poder público nesta frente.
"Aeroporto é um negócio"
— Tudo o que qualquer empresário quiser fazer é muito bem-vindo, mas a posição da CIC sempre foi clara: aeroporto é um negócio. Ele arrecada taxas e nós pagamos por esse serviço. Ele tem que se autofinanciar. O município já se dispôs a colocar uma quantia, o Estado tem um pedido da CIC feito ao governador para que apoie, e em âmbito federal há uma verba sendo negociada com o Ministério de Portos e Aeroportos. O setor público precisa pôr a mão ali — ressalta o presidente da CIC.
Quanto às ações relativas a acessos, embora também possam ser vistos bons resultados, Loro entende que são frentes que precisam de trabalho contínuo. A fase de liberação das vias andou bastante, embora algumas ainda de forma precária, mas ele entende que é preciso manter o foco especialmente nas vias mais prejudicadas, como as BRs 116 e 470, para que as soluções provisórias buscadas neste primeiro momento deem lugar à recuperação definitiva.
Uma das frentes que contou com o apoio da SuperAção foi executada por empresários do setor de máquinas e pavimentação, com o objetivo foi apoiar a prefeitura de Caxias na desobstrução de vias do interior. De acordo com o coordenador desta iniciativa, Guilherme Sartor, mais de 70 mil litros de combustíveis foram utilizados, metade bancada pela CIC. Revela que cerca de 50 máquinas seguem trabalhando, pois há 11 pontos de estradas com obstrução.
Reconstrua #BR-116 conclui trabalhos e presta contas
A campanha Reconstrua #BR-116 foi criada inicialmente para agilizar a reconstrução do km 170 da rodovia, em Vila Cristina, destruído pela cheia de maio. As atividades foram finalizadas na última semana, e a prestação de contas dos R$ 489 mil arrecadados foi apresentada.
Como a verba arrecadada foi maior do que o necessário para as ações na BR, outras iniciativas acabaram sendo apoiadas. Entre elas estiveram uma operação tapa-buracos na Rodovia dos Imigrantes, entre Nova Petrópolis e Linha Nova, a reconstrução da cabeceira da ponte do Bananal, no limite entre Vale Real e Feliz, e a doação de material para reconstituição da estrada que liga os distritos caxienses de Santa Lúcia do Piaí e Vila Cristina, além da recuperação da cabeceira da ponte sobre o Arroio Pinhal, na RS-452.
De acordo com Simone Fagundes, uma das coordenadoras da Reconstrua #BR-116, o último investimento foi com a locação de banheiros químicos, para apoiar os soldados do Exército responsáveis pela construção da ponte provisória sobre o Rio Caí. A vaquinha online para a campanha arrecadou R$ 125 mil, de 546 doadores. Já as doações diretas de 29 empresas e pessoas físicas somaram R$ 364 mil.
Unidos por Bento ultrapassa R$ 12 milhões em arrecadação
Criado na pandemia para viabilizar novos leitos na rede de saúde de Bento Gonçalves, o movimento Unidos por Bento arrecadou cerca de R$ 12,2 milhões até a última sexta-feira. O volume expressivo é resultado das doações realizadas pela comunidade via Pix e também pela parceria com o Sicredi, que dobrou o valor arrecadado.
De acordo com Carlos Lazzari, presidente do Centro de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Bento Gonçalves, entidade que lidera a mobilização, os recursos estão sendo aplicados desde o dia 6 de maio, quando a campanha foi aberta. A principal destinação é a contratação de horas-máquina para desobstruir e recuperar estradas do interior. Além disso, há frentes de trabalho contratadas pelo movimento auxiliando na busca por desaparecidos em Faria Lemos, onde os bombeiros seguem atuando com cães farejadores.
– Praticamente chegamos na metade do caminho. Recuperamos a RS-444 (estrada do Vale dos Vinhedos), uma das obras mais importantes para restabelecer o turismo na alta temporada. Agora vamos inaugurar a primeira ponte, na localidade de 40 da Graciema, também no Vale dos Vinhedos. Essa ponte era de madeira e agora estamos fazendo de concreto – exemplifica Carlos Lazzari.
Cerca de metade do valor arrecadado também já foi destinada para as ações.
– Hoje conseguimos ter um norteador mais próximo de quanto vamos precisar. Estima-se que irá sobrar um pequeno valor e, se acontecer, vamos estruturar os bombeiros e as forças policiais – afirma Lazzari.
Um dos objetivos da campanha era adquirir um drone para auxiliar as equipes de segurança em trabalhos de busca e salvamento. O dispositivo acabou sendo adquirido pela Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), que é integrante do movimento e já foi entregue aos bombeiros. A ideia é que ele também seja compartilhado com outras instituições.
O drone conta com câmera termográfica, que mapeia o calor humano e pode operar com ventos de até 40 quilômetros por hora, baixas temperaturas e à noite. Também é possível adicionar um microfone para identificar ruídos no ambiente.
Após o encerramento das ações emergenciais, o objetivo do movimento é estruturar um comitê capaz de atuar de forma preventiva, envolvendo poder público, entidades e também a população. A ideia é que haja informação e planejamento de como agir diante de uma nova catástrofe.
– Não podemos deixar de construir um legado – destaca Lazzari.
(Por André Fiedler)