Uma das grandes notícias do ano para a economia gaúcha foi dada na última segunda-feira (24), quando a Frasle Mobility, uma das unidades da Randoncorp, anunciou a compra da divisão de autopeças e reposição do grupo mexicano KUO, conhecida como KUO Refacciones. O negócio, de R$ 2,1 bilhões, envolve a aquisição da Dacomsa, principal distribuidora de peças de reposição do país norte-americano, e das marcas locais Moresa e TF Victor, líderes na oferta de pistões e juntas para motores, e da Fritec, líder na oferta de pastilhas e lonas de freio para veículos leves, além de outras marcas.
A iniciativa chamou a atenção por ser a maior transação já realizada pela empresa sediada em Caxias do Sul. Presente com unidades de produção, comercialização e distribuição no Brasil, Estados Unidos, China, Índia, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia e México, os produtos da Frasle Mobility hoje alcançam cerca de 125 países, e a compra da KUO é uma reafirmação da estratégia de expansão geográfica e de área de atuação que a companhia tem executado nos últimos anos. Ao final do processo, esta aquisição deve acrescentar cerca de 1,9 mil empregados aos cerca de 16 mil funcionários atuais da Randoncorp.
Um dos responsáveis por este processo de expansão é Sérgio Carvalho, um carioca de 67 anos, CEO da Frasle Mobility e também CEO da Randoncorp desde 2022. Reconhecido como um dos mais qualificados executivos do setor automotivo nacional, fez carreira em grandes empresas dos Estados Unidos e, desde 2017, atua no grupo caxiense.
Nesta entrevista, ele traz alguns detalhes da negociação fechada nos últimos dias, que teve os primeiros contatos há cinco anos e fará com que a Frasle Mobility ultrapasse a marca de 1 bilhão de dólares em faturamento anual. Além disso, diz que se sente gratificado por fazer parte do processo de expansão de uma empresa genuinamente brasileira, e revela que a estratégia de crescimento por meio de novas aquisições deve continuar.
Pioneiro: Vocês anunciaram na semana passada a maior negociação da história da Frasle Mobility, de R$ 2,1 bilhões. Como nasce e se prepara uma negociação desse porte? Há quanto tempo isso tem sido tratado?
Sérgio Carvalho: O ponto de partida é você ter um plano estratégico, ter uma visão de futuro que seja clara com relação aos desafios e às oportunidades, e é o que nós fazemos como empresa. Nós temos uma boa ideia, sabemos o tamanho que nós queremos ter daqui a cinco anos, digamos assim, e no nosso plano a gente define como nós vamos chegar. Todas essas aquisições, e desde que eu me juntei aqui às empresas nós já fizemos, eu acho, 19 aquisições, são uma identificação de onde você quer atuar, por que razões, com que tipo de produto, qual é o racional e por que você acha que vai ser bem-sucedido. E uma vez que você faça isso, você define lá dois ou três targets e vai atrás. Nós já havíamos identificado o México e essa empresa, e há quase cinco anos atrás nós batemos na porta deles. Na época eles não estavam preparados para transacionar, mas nós plantamos ali a sementinha, e há cerca de um ano eles chegaram à conclusão que valeria a pena vender essa divisão, que é apenas 10% do negócio deles, e nós fomos bem-sucedidos nesse processo. Agora estamos aguardando a aprovação das autoridades para que a gente possa efetivamente assumir a empresa.
O senhor falou em planejamento estratégico e em objetivo a ser atingido. Resumidamente, como é que a Randoncorp e a Frasle Mobility se veem daqui a alguns anos em termos de objetivos e posicionamento no mercado?
Nós temos posições de liderança em todas as linhas de produto aqui no Brasil, e muitas na América Latina também, e o nosso objetivo é não apenas manter, mas crescer alguns segmentos importantes. O nosso objetivo é crescer as nossas receitas, que nós chamamos de internacionais, quer seja por aumentar a exportação a partir do Brasil, quer seja por produzir e comercializar fora do Brasil. Somando-se as duas, nós temos o objetivo de levar as nossas receitas internacionais a 30% do nosso total.
A marca Frasle historicamente remete a produtos relacionados a freios, mas hoje a Frasle Mobility vai muito além desse setor, e a compra da KUO agrega novas áreas de atuação. Essa negociação reforça esse rumo de a empresa ser, cada vez mais, um conglomerado do segmento automotivo como um todo?
Se nós formos olhar no passado, nós temos a Frasle associada ao subsegmento frenagem, mas nós evoluímos e o material de fricção, que em algum momento representou 100% da nossa receita, com essa transação vai representar apenas 40%. Ou seja, as outras linhas de produto cresceram em uma velocidade muito maior. Resgatando um pouquinho do passado: a Frasle era, então, 100% material de fricção, e dentro desse segmento chamado frenagem tínhamos a Controil, com cilindros de freio e cilindro mestre, que fazem parte do sistema de frenagem. Aí adquirimos a Fremax, com os discos de freio e tambores, que também fazem parte desse subsegmento, e a partir daí praticamente esgotamos os espaços na área de frenagem. Aí veio a pergunta de qual é o segundo melhor segmento para a gente participar, e a resposta foi suspensão. Por isso fomos atrás da Nakata e fizemos essa transação, e como subproduto tivemos ali a linha de direção e de powertrain. E agora, com essa aquisição da KUO Refacciones, nós estamos adicionando ao nosso portfólio produtos de motor. A nossa linha está ficando cada vez mais completa sim.
E esse segue sendo o pensamento para futuras estratégias de crescimento? Há planos para atuar em mais segmentos da área automobilística?
Nós criamos aquilo que nós chamamos de um powerhouse de reposição. No Brasil já somos a maior empresa, e na América Latina agora também já somos a maior atuando em segmento de reposição. E o que nós valorizamos são os canais de distribuição para o mercado, que ele já conhece e gosta das marcas, que são extremamente importantes. E uma vez que você tem o caminho, a distribuição e o nome, o que traz credibilidade, adicionar novos produtos é uma coisa natural, com crescimento orgânico. Então, após essa aquisição, nós obviamente vamos fazer uma integração, estabilizar os negócios, e nós podemos sim pegar essa base ali no México e expandir para o mercado americano. Temos produtos aqui no Brasil que nós podemos levar para o México e usar esse canal para distribuir, e vice-versa, produtos que estão no México e que podemos trazer para o Brasil.
O que é fabricado pela KUO é muito diferente do que vocês têm no Brasil ou em outras plantas? Quanto desses produtos poderão ser trazidos para cá?
Também pode. Tem aí, eu diria, um pouquinho mais que 50% que é adicional a aquilo que nós temos hoje. Então permite que mais uma vez nós venhamos a vender componentes e produtos lá, e expandir no portfólio local e vice-versa.
Em termos de mercados, essa aquisição visa México, América do Norte e Estados Unidos? Esse é o principal pensamento estratégico dessa operação?
O principal é o mercado mexicano em si, porque embora seja um país de dimensões menores que o Brasil, o mercado, incluindo motocicletas, caminhões, ônibus e automóveis, é praticamente do tamanho do Brasil. Era fundamental que a gente participasse desse mercado, e então o principal objetivo é o México em si. Mas estando lá, depois na nossa estabilização, para nós continuarmos a nossa trajetória de evolução e de crescimento, temos sim a intenção de explorar os Estados Unidos. Hoje, a parte pesada em material de fricção americano já é um domínio da nossa Frasle Mobility. Nós já temos mais de 40% no mercado de veículos pesados, mas não temos quase nada no mercado de veículos leves americanos, que é gigantesco quando comparado com o mexicano e com o brasileiro.
Novas aquisições são pensadas para o futuro? Isso continuará sendo uma estratégia de crescimento para o grupo?
Eu diria que a fórmula tem dado certo, nós temos aí um track record de fazermos boas aquisições, boas integrações, de gerarmos muito valor, e há confiança, competência e apoio dos nossos conselhos de administração. A nossa intenção é continuar aplicando, no futuro também, essa fórmula que tem dado certo.
Apesar dessa expansão e visão global, a base e o comando da Frasle e da Randoncorp continuam aqui na Serra. A empresa vai manter essas características, vai continuar com um espírito caxiense?
Sem dúvida nenhuma. Nosso headquarter é aqui e vai continuar sendo. As nossas maiores operações estão aqui, nós temos investido em novas tecnologias e novos equipamentos. Muitos investimentos estão sendo feitos nas nossas bases aqui, e isso mostra que temos toda a intenção de continuar. E é importante mencionar que, com essa transação, a nossa Frasle Mobility, que é uma das nossas cinco verticais da Randoncorp, vai superar a marca de um bilhão de dólares de receita, o que é um marco.
Para o senhor, que é um executivo de formação e experiência internacional, como é comandar uma empresa brasileira que consegue atingir esse patamar? Qual o significado pessoal e profissional?
Olha, é muito gratificante. Antes de me juntar aqui ao grupo, eu já conhecia as empresas, pois me formei numa companhia americana que era sócia aqui do grupo. Eu sou radicado lá fora, minha família cresceu nos Estados Unidos, e minhas filhas adultas estão lá. Mas eu sempre gostei muito do Brasil e da capacidade do brasileiro, da resiliência dele de enfrentar, com criatividade e coragem, momentos difíceis e ambientes muitas vezes hostis à indústria. E poder fazer parte disso e contribuir, gerar novas tecnologias, movimento, crescimento recorde das empresas e expansão, tudo isso me deixa muito feliz, pois é o país que eu gosto e que eu amo, pois nasci aqui. É algo bastante gratificante, acho que é essa palavra, de poder contribuir aqui para essa jornada e para o progresso de todos.