Há um certo silêncio que acorda todo domingo. Pouco trânsito, ruas mais vazias. Espaço de pessoas. Entre o plantio de orquídeas e o grito de gol que chega de longe, reencontro em pensamentos, imagens de gente querida. Uns vivos, outros não. Gente que envelheceu. Outros que nunca mais vi depois de adultos. Já reparou que toda casa de mãe tem uma caixa de fotografias? Lá dentro gentes conhecidas e desconhecidas. Primos de primos, parentes distantes, recortes de vidas de apreço de outros que, por herança ou descuido, vieram parar dentro de uma caixa na casa da mãe. Dias antes andara olhando, outra vez, para aqueles rostos todos. Quem de nós não busca semelhança? Procuro por registros de minha mãe e tias na idade que tenho hoje. O que faziam? Como estavam vivendo, que sonhos tinham? Por quais perdas já tinham atravessado?
Imagens provisórias. Vêm e vão. Os registros fotográficos, por mais fora de foco, já desbotados pelo tempo ou sem nenhuma estética de fato, guardam a vida enraizada no tempo. São marcas do que foi vivido. Registram a duração da experiência que se perde na imensidão dos dias. As fotos são a imagem fugidia do esquecimento. Uma (des)medida do mundo.
Há em nosso quintal uma árvore que terá de ser cortada. Há tempos vem sofrendo podas e agora, o fim. Observo Cora Coralina, nome que demos a acácia negra. Quando ferida, libera uma resina que tem efeitos auto curativos. As abelhas adoram e por aqui as tubunas reinam plenamente, sem dar espaço para as outras. O fato é, que a resina quando exposta ao ar, fossiliza-se e transforma-se num material cristalino, pegajoso e de cor âmbar. É impressionante. Dentro, intacta, a ferida já é outra coisa.
Esse encapsulamento me faz pensar na caixa de fotografias e em como o tempo realiza uma remodelação em nossas memórias e, no quanto aquelas imagens guardadas são um resto de experiência, já sem realidade. No entanto, encontrar com elas, rasura nossos dias. Dizem tanto e nada ao mesmo tempo. Silenciamos como o domingo. O vazio da imagem estática. Observamos o rosto, em muitos casos sem rugas, o cabelo, o formato do corpo, as roupas, se sorriam ou não. Tentamos descobrir que lugar era aquele da foto, se conhecemos pessoalmente, se mudou por conta do progresso, o que faziam, por que fotografaram o que acontecia?
Nesse jogo de afetos que as fotos nos introduzem, somos desconhecidos de nós mesmos, afinal, também mudamos. Que coisa. A foto contém o tempo. A vida nos arrasta por ele. Salvo algumas, mesmo sabendo da minha própria precariedade existencial, bem sabemos que um dia nenhum de nós estará aqui e, as guardo numa caixa em minha casa. Realizo a repetição. Invento uma história para aquelas gentes todas e as protejo, um pouco mais, do esquecimento completo. Assim como a morte demarca a dobra da vida, o antes e o depois, a caixa de fotos, agora minha, mistura-se a espera de que os bulbos de orquídeas peguem e floresçam, auto curando-se da asfixia do soterramento.