Amar deixa marcas em nossas vidas. Deixa lembranças. Deixa também dores, sonhos não realizados, desilusão. Deixa o deixado. Algo entre o morrer e o viver, outra vez. O amor é um soluço. Um rompimento interno da sequência dos dias. Uma explosão que poucos reconhecem. Quando amamos temos a impressão de sentir o mundo pulsando dentro de nós. Um soluçar constante, desejado e difícil de suportar. Sentimos tudo que nos cerca. Os acontecimentos nos chegam pelo diafragma. Uma respiração interrompida.
Amamos para colocar o desejo em ação ou aprisioná-lo. Depende. Depende se somos pessoas que dão nós ou fazem laços. Não deveríamos nomear rápido demais as coisas. É mesmo amor? Tudo, geralmente, se modifica com o passar do tempo, até o amor, que pode continuar sendo chamado assim, mas com outro corpo, cara e afetos. Na ideia de amar, acreditamos que o outro tem tudo aquilo que nos falta. Uma salvação para quem imagina se ver completo, um desastre para quem tem de dar algo que nem sequer sabe ter. Somos sujeito e objeto de amor ao mesmo tempo. O que ama e o que é amado. Inventamos um jeito de acreditar que um irá preencher o outro, suprir as faltas. Ilusão. Desilusão. O real é de outra ordem. Talvez um bom paradoxo para pensarmos, pois que ser amado nos coloca num lugar especial. Ocupamos o lugar de ser amado. Eis um lugar desejado, o de ser o objeto de amor de alguém. Idealizamos a nós mesmos, o outro e aquilo que sentimos. Dizemos que é amor, mas quem sabe o que é?
É impossível dizer o que é amor. Podemos tentar falar sobre ele. Podemos comparar, descrever, criar analogias. Ou ainda melhor, podemos escrever poesia e cartas. Podemos ainda, cultivar flores e até mesmo ter um jardim. No entanto, nenhuma das palavras que conhecemos é capaz de dizer o que é o amor. É como se tentássemos conceituar a diferença entre a verdade e o verdadeiro. Acreditamos que quando amamos tocamos a verdade. O que não, necessariamente, seja verdadeiro. Mas, talvez, amamos para encontrar a verdade partida de nós mesmos.
Quando tocamos o que pode ser de fato amor, algo em nós se reparte. Ao contrário do que imaginamos, amar é solidão, embora acompanhada. É silêncio, embora haja entendimento. É a falta nomeada e sentida, suportando que nem o ser amado, nem ninguém irá preencher a ausência que carregamos. Nada nos salvará do desconforto de ser quem somos e de habitar o mundo apesar disso. Talvez somente no amor sejamos capazes de aceitar certas verdades. De saber que sempre é possível começar de novo e que para isso é preciso deixar ir quem e o que um dia foi.
O sol nunca precisou da ajuda de ninguém. Entra descabelado pelas janelas e nos convoca a se estender sob ele, secando nossos velhos dramas e nos salvando da memória que ainda dói. Ele nos ensina todos os dias sobre a vida e a morte e que, às vezes, somos nós que insistimos em ser o eco do que já não existe mais.