Volta e meia alguém me pergunta se acredito em Deus. Tenho dificuldade em responder. Sempre penso, que pergunta complexa. Não é que não acredite, pois acredito, mas e há todavia um mas, tenho medo de ser mal entendida. Tal qual Rubem Alves. Ando por entre as flores do jardim e observo o céu azul. Gosto de sentir os pés tocando o chão verde, desde criança. Deus caminha pelos caminhos das minhocas.
Por isso, não acredito num Deus utilitarista. Não gosto da ideia de rezar em troca de algo. Isso me lembra mais negócio que fé. Negociar com Deus é uma coisa estranha. Acredito na oração como forma de contemplação. Às vezes é preciso fechar os olhos, afastar-se do mundo, noutras, é preciso abrir bem olhos, pois o mundo é a resposta. Deus fala na algazarra dos pássaros no amanhecer.
Não acredito num Deus castigador, que nos faz sofrer para aprender, que pune, exige, condena. Seria mesquinho demais. É preciso que tenhamos coragem o suficiente para compreender que somos o resultado de nossas escolhas e que se algo nos castiga é nosso próprio interior. Deus dança nas frestas do dia quando reparamos um raio de sol iluminar um pedaço da casa.
Não acredito num Deus conservador, moralista, cheio de regras, fixado em verdades construídas por homens. Deus não carece de tradutores. Volta e meia leio Duns Scotus, teólogo franciscano medieval. Deus não está no rol das coisas, ele está numa outra ordem. Deus suspira no respiro das árvores quando rumorejam as folhas.
Acredito sim, num Deus que gosta de música, de poesia e que sabe dançar, porque nos remete à necessidade de, constantemente, celebrar a vida. É preciso lembrar que vivemos por um breve curso de tempo e que por esses anos em que aqui estamos, sejamos felizes e agradecidos. Deus deixa o rio virar mar.
Acredito sim, num Deus que anda nas patas da formigas. Que habita o bocejo tranquilo do gato. Que vive no silêncio do miolo das flores. Deus inventou os vaga-lumes.
Acredito sim, num Deus que se mistura ao espaço, se transfigura em átomo, em água, em vento, em sol, em chuva. Que dá tempo ao tempo e nisso nos ensina sobre vida e morte. Deus é o broto novo toda primavera.
Acredito sim, num Deus que espalha sua beleza na capacidade humana de escrever de modo tão perfeito como fez Dostoiévski. Deus é o doce das frutas apodrecidas.
Acredito sim, num Deus que se paramos para olhar o mundo, o universo, descobrimos que ele é o próprio assombramento de tudo. Deus é a minha metade incerta.
A morte de meu pai mudou algumas formas de ver a morte em mim. Um ano e pouco depois de sua partida, espalhei suas cinzas junto ao pé de hibisco. Ele me deu essa muda numa tarde sem data, dizendo que adorava o lilás das flores. Acredito num Deus lilás, igual à espera pelo desabrochar. A outra metade de mim é um bicho no jardim em meio às avencas.