É uma longa história até estar onde estamos. As mulheres já foram tidas como menos importante que animais, inferiores a castas masculinas e queimadas porque eram curandeiras, amaldiçoadas ou vistas como bruxas. Nossos corpos (ainda) se moldam aos desejos da época. Já tivemos de ser gordas porque essa era a exigência. Já fomos magras porque a sociedade ditava esse padrão. Já fomos trabalhadas em academias porque a exigência era de um corpo padrão e sem marcas de envelhecimento. Já fomos vestidas dos tornozelos até o pescoço porque isso era sinal de respeito e virtude e despidas completamente, porque nossos corpos nunca passaram de objetos. Já tivemos de vestir toda sorte de fantasias porque havia um outro que desejava ser saciado. Já usamos a beleza como forma de sermos aceitas e essa mesma beleza nos relega ao papel de menos inteligentes. Estudamos, conquistamos carreiras profissionais mas durante uma reunião de executivos ainda somos nós as convocadas para servir um café. Durante regimes escassos e de guerra substituímos os homens, com competência, mas retornamos à casa, aos afazeres domésticos e ao cuidado das crianças quando eles voltaram. Até hoje saímos para trabalhar com um carga de atividades tão exigente quanto a do masculino, mas os cuidados com a casa, com a roupa, com a alimentação, com a limpeza, com o mercado, com a educação dos filhos, continua sendo nossa. Já compreendemos que precisamos mudar essa situação, quem ainda não compreendeu é o machismo que continua dizendo que o privado é da conta do feminino. Temos ocupado ao longo dos séculos espaços e lugares com uma incrível plasticidade, embora nem sempre tenhamos reconhecido nossos desejos dentro desse processo.
No entanto, há algo que se manteve durante todos esses séculos com raras alterações. Há ainda um discurso vigente de que somos configuradas pela biologia. Em pleno século 21 mulheres adentram os consultórios com uma angústia sem tamanho por não terem sentido despertar seu relógio biológico sem saber se querem ou não ser mães. Há inúmeros profissionais que se somam a esse discurso imputado à mulher sem levar em consideração de que ser mãe é completamente diferente de ter um filho. Esse mesmo discurso que sela o destino da mulher ao destino de ser mãe. Quantas vezes, em rodas de conversa entre familiares, papéis, funções, intenções com relação a servir o outro se sobrepõem sobre o que a mulher realmente deseja. Para entender um pouco melhor, basta observar-se no papel de filha. Nascemos para resolver as demandas de nossos pais. E um dia, dos nossos filhos.
A maternidade de hoje difere em muito de anos atrás. Por mais que ocorra uma gritaria dentro e no entorno, hoje se pode escolher se se quer ou não ser mãe. E saber que há um tipo de mal causado pelas mães, pouco debatido e nada aceito. Um maltrato causado por desconhecimento do próprio desejo. Está na hora de hesitarmos e considerar se queremos ou não ter filhos. Sem obediência ou culpa.